A quarentena mostrou como a economia explora as mulheres; Silvia Federici já sabia

Autora de Calibã e a bruxa e O ponto zero da revolução vem alertando para o que acontece quando subestimamos o trabalho doméstico

Por Jordan Kisner
Publicado no New York Times

 

O Prospect Park em maio é uma sinfonia de belezas: prados e trilhas densas, colinas e vales, tudo coberto de arônias, linderas, violetas, espinheiros floridos, magnólias e tílias. Nesse esplendor, os pássaros são barulhentos, assim como as pessoas. Mas em maio de 2020, o parque estava mais silencioso do que o normal, e as pessoas que passavam por lá estavam contidas e preocupadas. Muitos usavam máscaras; muitos não. Ocasionalmente, alguém gritava com outra pessoa por chegar perto demais. Havia medo de respirar e, ao mesmo tempo, um desejo desesperado por isso. Por essa cena avançou, em ritmo enérgico, Silvia Federici, a estudiosa e teórica do trabalho doméstico de 78 anos, uma das mais influentes pensadoras feministas socialistas dos últimos cem anos.

Federici tinha um lenço preto amarrado sobre o nariz e a boca, e usava um suéter azul delicado que sua mãe fez há muito tempo. Federici percorre todo o Prospect Park pelo menos uma vez por dia, mesmo no inverno, junto do filósofo George Caffentzis, seu companheiro há 47 anos. (Caffentzis descobriu há alguns anos que sofre do mal de Parkinson, ela explicou, e a caminhada o ajuda a ficar bem.) Porém, durante vários dias ao longo de maio, ela concordou em fazer uma segunda caminhada diária comigo.

Eu pedi que nos encontrássemos porque a pandemia e sua cascata de colapsos econômicos, sociais e políticos me levaram a uma profusão de pensamentos inspirados em Federici, em lugares que eu nunca havia visto antes. De repente, ideias e frases de seu trabalho estavam em todos os meus feeds das redes sociais, editoriais e trocas com amigos, enquanto as pessoas confrontavam quais tipos de trabalho são considerados essenciais e por quê. Federici é uma antiga defensora da ideia de que o trabalho doméstico é um trabalho não remunerado, e foi fundadora do movimento Wages for Housework [Salários para o trabalho doméstico] no início dos anos 1970. Ela argumenta que este tipo de trabalho é uma forma de opressão econômica de gênero e a exploração sobre a qual todo o sistema capitalista repousa.

Como acadêmica e ativista, Federici faz parte de um grupo de pensadores que, por décadas, criticou a maneira como as sociedades capitalistas falham em reconhecer ou apoiar o que ela chama de “trabalho reprodutivo”. Ela usa esse termo não apenas para se referir a ter filhos e criá-los; indica todo o trabalho relativo à manutenção da vida – manter a nós mesmos e aos outros ao nosso redor bem alimentados, seguros, limpos, cuidados e prosperando, arrancar ervas daninhas do seu jardim, preparar o café da manhã ou ajudar a sua avó idosa a tomar banho –, trabalho que você tem que fazer continuamente. É um trabalho essencial que nossa economia tende a não reconhecer nem remunerar. Esse desprezo pelo trabalho reprodutivo, escreve Federici, é injusto e insustentável.

Essas ideias não eram exatamente obscuras antes da pandemia. Mas as visões do feminismo dominante – para não mencionar da economia ou da política dominante – têm ignorado amplamente o trabalho doméstico. Em vez disso, mediu o empoderamento das mulheres por sua presença e influência no local de trabalho, que é obtida justamente terceirizando o trabalho doméstico e o cuidado das crianças para mulheres menos favorecidas economicamente, por meio de salários mais baixos. Mesmo assim, todas as mulheres continuam atoladas no trabalho doméstico.

Agora é comum ouvir o termo “dupla jornada” (“second shift” [segundo turno], no termo original em inglês cunhado em 1989 pela socióloga Arlie Hochschild), que descreve como o trabalho de manter uma casa e cuidar dos filhos ainda recai desproporcionalmente sobre as mulheres, mesmo que tenham empregos de tempo integral e contratem ajuda. Além do mais, as pessoas que são pagas para fazer o trabalho doméstico ou o trabalho de cuidado (como o cuidado de idosos ou a limpeza da casa) são, enquanto grupo, mal remuneradas e não têm proteção ou benefícios no local de trabalho.1 Esses empregos são ocupados principalmente por mulheres não brancas ou imigrantes. Tal arranjo dificilmente funciona bem para as mulheres em geral.

Especialistas em políticas públicas e economistas apontaram nos últimos anos a tolice que é excluir o trabalho doméstico de métricas econômicas como o PIB, uma vez que os dados mostram que o trabalho não remunerado das mulheres constitui uma enorme fatia da atividade econômica em qualquer país. Em 2020, a Oxfam divulgou uma pesquisa indicando que, se as mulheres estadunidenses ganhassem um salário mínimo pelo trabalho que realizavam em casa, teriam recebido 1,5 trilhão de dólares em 2019. Globalmente, o valor desse trabalho não pago teria sido quase onze trilhões de dólares.

Em um discurso de 2019, Marilyn Waring, estudiosa de políticas públicas e defensora de longa data da revisão das métricas econômicas de “produtividade”, mostrou o absurdo de definir atividades como cuidar de parentes idosos ou recém-nascidos, fazer compras e cozinhar como sem valor ou como lazer. “Você não pode fazer uma boa política se o maior setor da economia de seu país não for visível”, disse. “Você não pode presumir que sabe onde estão as necessidades.”

Esta não é a única parte do sistema econômico atual que parece descolada da realidade. O abismo da distribuição da riqueza é tão grande quanto era há cem anos, com mais trabalhadores do que nunca em empregos instáveis, de baixa remuneração, ou ainda sujeitos aos caprichos da economia informal (gig economy). À medida que a exaustão e a insegurança causadas por essas condições econômicas se aprofundaram, mais e mais pessoas estão chegando à ideia de que o atoleiro dos males sociais dos Estados Unidos pode ser mapeado até uma relação incorreta com o trabalho e a questão de qual trabalho é visto como valioso.

Quando os lockdowns e quarentenas começaram, esse mal-estar crescente explodiu em uma crise. Primeiro veio a discussão sobre “trabalhadores essenciais”, uma categoria que, como rapidamente se notou, frequentemente correspondia aos trabalhadores mais mal pagos. Então, veio a percepção aguda entre pessoas das classes média e alta de que suas vidas estavam indo bem porque elas haviam sido capazes de terceirizar o trabalho doméstico – e, o que é fundamental, o cuidado dos idosos e dos filhos – para outras pessoas.

Depois de quase um ano de fechamento de escolas, os pais que trabalham estão bem cientes do peso de cuidar das crianças durante oito horas por dia, peso esse carregado pelos mal pagos professores. Sem nem mesmo os sistemas específicos para gerenciar a quantidade de trabalho constante do cuidado das crianças (creche, avós, atividades extracurriculares, babás), os pais nos Estados Unidos descobriram que as exigências de cuidar de uma família correspondem ou mesmo excedem as dos empregos de tempo integral necessários para sustentar a mesma família.

Nada disso é novidade para os pais solteiros que já trabalhavam em vários empregos com um salário mínimo e não podiam pagar aluguel e alimentação, muito menos babás. Mas a reversão das classes profissionais a uma situação que lhes parece igualmente insustentável inspirou um clima radical. Cada vez mais, mesmo aqueles relativamente ilesos aos efeitos da pandemia estão expressando sentimentos anticapitalistas, criticando uma economia que paga menos ou ignora o trabalho doméstico.

Um grupo de atrizes e executivas ricas (incluindo Julianne Moore, Charlize Theron e os líderes de Birchbox, ClassPass e Rent the Runway) estão pedindo um “Plano Marshall para mães”, incluindo pagamentos mensais do governo a elas. “Vocês sabem muito bem disso: as mães são o alicerce da sociedade”, escrevem, “e estamos cansadas ​​de trabalhar de graça.” Shonda Rhimes escreveu no Twitter em março passado: “Estive ensinando em casa duas crianças de 6 e 8 anos por uma hora e 11 minutos. Os professores merecem ganhar um bilhão de dólares por ano. Ou por semana.”

Em março de 2020, a pesquisadora e ativista Keeanga-Yamahtta Taylor escreveu profeticamente na revista The New Yorker: “A vida estadunidense mudou repentina e dramaticamente, e quando as coisas são viradas de cabeça para baixo, o fundo é trazido à superfície e exposto à luz”. Foi um ano de terríveis revelações que a maioria dos estadunidenses – os milhões que foram demitidos, colocados em licenças não remuneradas ou tiveram a sorte de serem considerados “não essenciais” – experimentou no isolamento em casa. Casa essa onde a louça se acumula, onde os cuidados com limpeza e lavanderia aumentaram em nome da cautela contra o vírus. Casa essa que sempre foi o local de trabalho de alguém, mas agora é, para mais pessoas do que nunca, uma zona de colisão de muitos tipos de trabalho. Casa essa que até 34 milhões de estadunidenses perderam ou correm o risco de perder devido a uma possível demissão e os subsequentes desemprego e despejo.

Como 2021 poderia ter sido diferente se o trabalho que fazemos para cuidar uns dos outros, de nós mesmos e do mundo ao nosso redor tivesse sido valorizado? Como o futuro seria diferente se, como sugere Federici, “nos recusássemos a basear nossa vida e nossa reprodução no sofrimento dos outros”, se “nos recusássemos a nos ver separados dessas pessoas”?

A presença de Federici aumentou desde o Occupy Wall Street, um movimento que ela apoiou e sobre o qual escreveu, que acabou por colocar uma nova geração de feministas de esquerda em contato com seus textos. Em 2020, ela foi citada repetidas vezes em publicações populares – da revista The New Yorker à The Atlantic, do The Cut à Teen Vogue, essa última em um artigo intitulado Socialist Feminism: What Is It and How Can It Can It Replace Corporate ‘Girl Boss “Feminism? [Feminismo Socialista: o que é e como ele pode substituir o corporativo “Feminismo da Mina Empoderada”?]  

Quando nos encontramos em maio, Federici parecia menos em pânico, ou talvez menos surpresa, do que quase todo mundo que eu conhecia. Ela estava focada e rápida enquanto caminhava em minha direção pelo parque, sorrindo por trás da máscara. Ela é leve e magra, com mãos vivas e cabelo grisalho curto e encaracolado. Enquanto caminhávamos, ela falou rapidamente, sintetizando os sistemas quebrados e as formas interligadas de vulnerabilidade que sempre estiveram presentes, mas que agora afetavam até mesmo as pessoas que pensavam ser imunes.

Ela disse que ficava ocasionalmente surpresa com as pessoas ligando para ela nesse momento para falar sobre coisas que escreveu vinte ou trinta anos atrás. Mas diz que suspeitou por muito tempo que os perigos de desvalorizar o trabalho de cuidado acabariam se materializando em uma crise grande demais para ser ignorada. “A condição pré-existente é um sistema que torna a vida intolerável e insalubre para milhões de pessoas”, disse, suas palavras ligeiramente abafadas pelo lenço. “É um sistema que não está funcionando – essa é a principal condição pré-existente.”

Federici nasceu “sob as bombas”. Segunda filha de um professor de filosofia em Parma, Itália, ela era, como sua mãe lhe disse mais tarde, fruto de um “acidente” em tempos de guerra. “Eu nasci em Parma em 1942, um dos piores anos da história da humanidade, eu acho”, disse. “Janeiro foi o início da Solução Final” [plano nazista de genocídio da população judia em todos os territórios ocupados pela Alemanha, durante a Segunda Guerra].

Sua mãe ia dormir vestida, pronta para  acordar sob um céu vermelho no meio da noite, agarrar a recém-nascida Silvia e sua irmã de quatro anos e “correr, correr, correr” para os arredores de Parma, para os campos, onde ela ficaria agachada na terra com as crianças até o amanhecer. Rindo, ela me contou que essa experiência a fez querer nunca ter filhos: o horror de se encolher no campo com bebês, as mamadeiras, a terrível vulnerabilidade do mundo.

Parma, ao contrário de muitas partes da Itália após a Segunda Guerra Mundial, era um reduto comunista e, em sua adolescência, Federici foi influenciada por movimentos trabalhistas e antifascistas. Teorias de opressão e direitos dos trabalhadores eram conversas na hora do jantar. Ao longo de sua infância, ela lembra dos pais e seus amigos discutindo o que a guerra “significava” e o que o fascismo havia causado.

A política de esquerda de Parma coexistia desconfortavelmente com sua intensa cultura patriarcal: o pai de Federici era “aquele que sabia”. Sua mãe, que veio de uma família de camponeses, “não deveria ter conhecimento”: ela cozinhava, limpava, fazia compras e cuidava das crianças, e fazia à mão tudo o que eles não podiam comprar. “Ninguém vê meu trabalho”, reclamava a mãe de Federici. Seu pai brincava: “Isso é porque este trabalho não é um trabalho real”.

Já nos seus trinta e poucos anos, Federici se recusou a ter qualquer coisa a ver com o que ela foi criada para pensar como “trabalho de mulher”, ou seja, tudo que sua mãe havia feito. (Mais tarde, como aluna de pós-graduação estudando fenomenologia em Buffalo, nos Estados Unidos, ela comeu cachorro-quente com salsicha crua direto da embalagem e batatas que ela – a contragosto – fervia.) “Acho que percebi a desvalorização do trabalho da minha mãe. Era uma atividade sem recompensas, sem prazer.”

Mas Federici credita a sua mãe a primeira exposição às ideias que se tornariam o trabalho de sua vida. “Eu iria ouvir e falar sobre o operário de fábrica”, Federici me disse. “A classe trabalhadora para mim era o operário. E minha mãe várias vezes me disse: você está sempre falando sobre o operário como se ele fosse a única pessoa que trabalha!”. Federici bate no banco do parque em que estávamos sentadas com o punho. “Ela disse isso, não meu pai, que era o professor, o intelectual, o conhecedor. Foi ela, a minha mãe, quem me contou as coisas que mais tarde se tornaram a minha política. Seja em termos de trabalho doméstico, seja em termos de trabalho agrícola, era ela quem dizia: mas trabalho é mais do que macacão azul!”

A política de Federici não se formou totalmente até cerca de dez anos depois, em 1967, quando ela se mudou para os Estados Unidos para estudar com uma bolsa Fulbright. Ela foi inspirada pelos vibrantes movimentos estudantis e antiguerra em Buffalo, assim como pelo movimento pelos direitos civis. Mas ela não considerava o feminismo central em suas visões políticas até 1972, quando uma amiga lhe entregou um texto da feminista italiana Mariarosa Dalla Costa: “Donne e sovversione sociale” ou “Mulheres e a subversão da comunidade” (A versão mais conhecida deste ensaio é chamada de “The power of Women and the subversion of community”, ou “O Poder das Mulheres e a Subversão da Comunidade”, e foi escrita por Dalla Costa e a ativista americana Selma James.) O ensaio traz o hipótese de que, por trabalharem sem remuneração em casa, as mulheres estavam produzindo a força de trabalho que o capitalismo explora para o lucro.

A ideia trouxe uma epifania para Federici. “Imediatamente tudo fez sentido”, disse ela: as queixas de sua mãe sobre verem apenas os homens nas fábricas como trabalhadores autênticos; sua própria repulsa pelo trabalho doméstico, que ainda não considerava vinculado ao marxismo. Federici se envolveu com um grupo de feministas, incluindo Dalla Costa e James, que se autodenominavam International Feminist Collective [Coletivo Feminista Internacional] (IFC). O IFC iniciou a campanha Wages for Housework na Europa. Federici e sua colega Nicole Cox fundaram a primeira seção da campanha em solo estadunidense, em Nova York, em 1974, com a orientação de James.

O ensaio de Federici, “Salários contra o trabalho doméstico”, publicado em 1975, foi um dos primeiros manifestos apaixonados escritos pelo movimento e continua sendo um de seus textos mais conhecidos. “Dizer que queremos salários para o trabalho doméstico é expor o fato de que o trabalho doméstico já é dinheiro para o capital, que o capital ganhou e ganha dinheiro com o nosso cozinhar, sorrir e foder”, escreveu ela. “Ao mesmo tempo, mostra que cozinhamos, sorrimos e fodemos ao longo dos anos, não porque isso é mais fácil para nós do que para qualquer outra pessoa, mas porque não temos outra escolha. Nossos rostos ficam distorcidos de tanto sorrir.”

Desde o início, a campanha Wages for Housework foi inclusiva em sua definição sobre quem pertencia ao movimento feminista. “Queremos e temos que dizer que somos todas donas de casa, somos todas prostitutas e somos todas gays… Porque enquanto pensamos que somos algo melhor, algo diferente de uma dona de casa, aceitamos a lógica do patrão, que é uma lógica de divisão”, escreveu Federici. Seu tom é quase suplicante quando sugere que a sociedade precisa se livrar da noção de que algumas pessoas são naturalmente servis ou subordinadas, de que alguma coisa possa ser um “trabalho de amor”. “Queremos chamar de trabalho o que é trabalho”, escreveu ela, “para que eventualmente possamos redescobrir o que é amor.”

O comitê de Nova York operou a partir de uma loja em Park Slope, no Brooklyn, onde fez uma campanha para melhorar as condições de vida das mulheres em situação de vulnerabilidade. Elas apoiaram a formação de outros grupos em todo o país e no Canadá, e trabalharam localmente com as ativistas Margaret Prescod e Wilmette Brown, que formaram o Mulheres Negras por Salários para Trabalho Doméstico. Elas fizeram campanha juntas em apoio aos ativistas por programas de assistência, pois consideravam o bem-estar social a primeira vitória na luta para exigir que o governo compensasse as mulheres por seu trabalho no lar.

Mas, depois de quatro anos, a rede internacional se fragmentou. O comitê de Nova York, entre outros, foi dissolvido após uma desavença com James e Prescod, que alegavam que as prioridades das Mulheres Negras por Salários para Trabalho Doméstico foram ignoradas; Federici nega e afirma que o problema do grupo era com James.

Até muito recentemente, todas as partes se recusavam a discutir o pesado conflito de quarenta anos em público, convencidas de que isso as desviaria de seu trabalho. Este é um terreno especialmente sensível por causa da longa história de rejeição e marginalização de pessoas negras, não brancas, indígenas, queer e trans dentro do movimento feminista por pessoas brancas. Embora nunca tenham se reconciliado, Federici, James e Prescod seguiram carreiras longas e simultâneas no ativismo feminista – James e Prescod dentro da campanha internacional da Wages for Housework e da Greve Mundial das Mulheres, entre outras iniciativas; já Federici, como ativista com o Projeto Anti-Pena de Morte da Associação de Filosofia Radical e do Comitê para Liberdade Acadêmica na África e como professora da Universidade Hofstra.

O livro mais influente de Federici veio quase trinta anos depois: Calibã e a bruxa, publicado em 2004. Muitas feministas anticapitalistas como bell hooks, Angela Davis, Wilmette Brown e o Coletivo Combahee River vinham argumentando desde os anos 1970 que a luta feminista é necessariamente uma luta anticapitalista, e essa luta anticapitalista deve necessariamente incluir gênero e raça, porque o capitalismo oprime as mulheres, pessoas não brancas3 e a classe trabalhadora. A contribuição de Calibã e a bruxa para essa tradição foi rastrear essas formas de opressão em uma única fonte, argumentando que suas origens eram inextricáveis.

Federici propõe uma nova teoria sobre a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa, reunindo evidências históricas para argumentar que este também foi o momento em que o trabalho das mulheres foi colocado sob o controle de chefes de família homens, e confinado à esfera doméstica. As mulheres eram as que podiam dar à luz e aumentar a força de trabalho, por isso sua autonomia e, principalmente, sua capacidade de procriar precisavam ser “encerradas” em um espaço. Em seguida, esse trabalho precisava ser tornado “natural”, como se a domesticidade fosse simplesmente a condição e o desejo inerentes das mulheres. Essa transição foi violenta, ela argumenta, citando as milhares de mulheres mortas durante aquele período, geralmente mulheres que não conseguiram se adequar à nova realidade radicalmente restrita e foram acusadas de serem bruxas.

“O capitalismo, como sistema socioeconômico, está necessariamente comprometido com o racismo e o sexismo”, escreveu Federici. “Pois o capitalismo deve justificar e mistificar as contradições inerentes às suas relações sociais […] ao inferiorizar a ‘natureza’ daqueles que explora: mulheres, pessoas das colônias, descendentes de escravizados africanos, imigrantes deslocados pela globalização.”

Federici argumenta que não é “natural” que os tipos de trabalho que envolvem cuidar e sustentar a vida pertençam a um gênero específico; tampouco é natural ou inevitável que as pessoas sejam subjugadas por um sistema econômico que beneficia muito poucos. Essas foram apenas convenções úteis para o surgimento de um sistema econômico que se tornou tão abrangente que não ousamos mais nem imaginar outras possibilidades. Foi feito dessa forma para o lucro de alguém, Federici argumenta. Mas esse estado das coisas pode ser revertido.

O ano de 2020 – o ano de peste, de eleições [nos Estados Unidos], esse ano horrível – foi um período fecundo para prestar atenção a quem lucra com o nosso sistema econômico e à custa de quem. Mais de setenta milhões de estadunidenses entraram na fila do auxílio desemprego, a maioria deles no setor de serviços, em que os trabalhadores provavelmente são mulheres racializadas. Os trabalhadores de baixa renda perderam mais os seus empregos e ficaram desempregados por mais tempo. Ao mesmo tempo, pouco mais da metade dos trabalhadores essenciais, que continuaram trabalhando fora de casa com risco para a saúde, são mulheres e, desproporcionalmente, mulheres racializadas.

Um artigo da pesquisadora Catherine Powell, professora de direito da Universidade Fordham, publicado na Think Global Health, descreveu um “paradoxo da justiça racial” em que negros e pardos estadunidenses têm “maior probabilidade de ficarem desempregados devido aos impactos da pandemia no mercado de trabalho, mas estão simultaneamente super-representados entre os trabalhadores essenciais que devem permanecer em seus empregos, especialmente em cargos de baixa qualificação, onde correm maior risco de exposição ao vírus”. Esse paradoxo custou a vida a milhares de pessoas.

No último ano, as profissionais de saúde tiveram um desempenho pior do que os homens: o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos divulgou um estudo que relatou que 72% dos profissionais de saúde hospitalizados com covid-19 entre março e maio do ano passado eram mulheres. Muitas eram enfermeiras e auxiliares de enfermagem certificadas, trabalhos que envolvem cuidados diretos ao paciente – banhos, alimentação, administração de medicamentos – e são mais comumente ocupados por mulheres e pessoas não brancas. (Elas também são menos remuneradas do que os postos de profissionais de saúde dominados por homens.) Os auxiliares de limpeza de hospitais e auxiliares de saúde domésticos também adoeceram e morreram em maior número.

No ano passado, as empregadas domésticas enfrentaram uma “crise humanitária total”. A National Domestic Workers Alliance [Aliança nacional das trabalhadoras domésticas] dos Estados Unidos relatou até 60% de desemprego em maio, acrescentando que muitos de seus membros não estavam recebendo nenhum tipo de auxílio do governo porque eram imigrantes sem documentos4.

Em dezembro, 156 mil mulheres perderam o emprego; os homens ganharam 16 mil novas vagas, de acordo com uma análise do National Women’s Law Center. Mas, como geralmente é o caso ao avaliar “mulheres” como uma categoria geral, esse dado esconde algo importante: uma análise mais aprofundada revelou que foram as mulheres negras, latinas e asiáticas que perderam os empregos – as mulheres brancas, na verdade, conseguiram novos trabalhos. Espera-se que, quando o grande número de mulheres desempregadas começar a reingressar no mercado de trabalho, receberão salários ainda mais baixos. No ano passado, 2,3 milhões de mulheres estadunidenses abandonaram a força de trabalho, geralmente para cuidar de crianças quando a escola e a creche fecharam. Como elas deixaram a força de trabalho inteiramente e não estão procurando novos empregos, elas não são mais contabilizadas nas estatísticas de desemprego.

No ano passado, os bilionários dos Estados Unidos ficaram 1,1 trilhão de dólares mais ricos. Tudo isso em meio a debates perversos sobre quais vidas podem ser sacrificadas para salvar a economia. O presidente Donald Trump admitiu em maio que, à medida que retomarmos a atividade econômica, mais pessoas morrerão, e declarou: “Precisamos recuperar nosso país”. País de quem? Para quem?

É um pouco menos surpreendente que haja um crescente apetite por caminhos diferentes, uma sociedade menos obstinadamente resistente a valorizar a vida humana quando ela impede o lucro de uma classe dominante branca, rica e muitas vezes masculina. Uma sociedade “que permite aos milionários guardar sua riqueza em apartamentos vazios enquanto famílias sem-teto vagam pelas ruas”, escreveu Keeanga-Yamahtta Taylor em março, “que ameaça com despejo e cobrança de empréstimos, enquanto centenas de milhões são obrigados a permanecer dentro de casa para suprimir o vírus, é desconcertante em sua incoerência e desumanidade”.

Taylor está entre uma geração de pesquisadoras e ativistas que estão trazendo atenção renovada para as alas esquerdistas, frequentemente lideradas por negras do movimento feminista que foram excluídas pelo feminismo branco dominante. Escrevendo em 1984, bell hooks resumiu da seguinte maneira: “Particularmente no que diz respeito ao trabalho, muitas reformas feministas liberais simplesmente reforçaram os valores capitalistas e materialistas (ilustrando a flexibilidade do capitalismo) sem realmente libertar as mulheres economicamente”.

Muitas escritoras daquela época, incluindo hooks, Angela Davis, Audre Lorde e as membras do Coletivo Combahee River, insistiram o tempo todo no que agora é amplamente visto como bom senso: o feminismo é desdentado e hipócrita se ignorar as necessidades materiais das mulheres pobres, negras, gays, trans, deficientes, imigrantes ou que vivem fora dos Estados Unidos. Seu legado foi assumido por ativistas contemporâneas por justiça social e pesquisadores como Taylor, adrienne maree brown, Rachel Cargle, Dean Spade e Mariame Kaba. É aqui que está a energia da esquerda agora, senão a maioria do dinheiro ou do poder institucional.

Há uma questão urgente em mãos, ainda sem resposta, sobre como o movimento feminista estadunidense vai se recompor agora, e se vai promover uma direção ideológica mais alinhada com os pensadores que marginalizou. As “reformas feministas liberais” do final do século XX se transformaram no feminismo corporativo do século XXI. Isso desaguou no feminismo de marca e slogans dos últimos dez anos. Havia um feminismo “faça acontecer” [lean in, no original, em referência ao livro de mesmo título de Sheryl Sandberg] que sustentava que a entrada das mulheres na diretoria exigia apenas o tipo certo de vontade de poder e um ligeiro esquecimento das pressões sociais para a criação de uma família. Teve a fase de ostentação: a famosa camiseta O FUTURO É FEMININO, os bonés de baseball “Apesar disso, ela persistiu”.5 Havia a loja Wing (com um “espaço feminino” com preço elevados, interiores rosa bebê e, como diversos funcionários alegaram, cultura interna abusiva e racista) vendendo broches muito populares “Bruxa-chefe no comando” e chaveiros dizendo “Garotas fazendo qualquer coisa que elas quiserem”.

Acontece que as “garotas”, ou mais precisamente mulheres, não conseguiram fazer o que queriam este ano, embora usar a categoria ampla “mulheres” seja, por si só, uma perspectiva falha. (“O que você quer dizer quando fala em mulheres?”, perguntei a Federici em uma de nossas caminhadas. “Para mim sempre foi principalmente uma categoria política”, disse ela, definindo “mulheres” como todas aquelas que sofrem sob as condições materiais que têm sido historicamente atribuídas às mulheres, o que inclui pessoas trans e não binárias, pessoas intersexuais e agêneras e pessoas queer.) E anos como 2020 não chegam de forma igual para todas as mulheres.

As promessas do feminismo liberal soeram cada vez mais vazias à medida que a enorme população de mulheres que foram deixadas inteiramente de fora dessa visão cresceu. A igualdade de gênero na força de trabalho (simbolizada pela representação igual ou até mesmo por salários iguais) nunca se tornou realidade, e na verdade só recuou por nunca ter resolvido a questão do trabalho doméstico. Essas questões estão ganhando força nos corredores do poder – não porque sejam novas, mas porque agora afetam até mesmo as mulheres de classe média e alta, especialmente as brancas. Da mesma forma, um amplo interesse no socialismo não surgiu porque o capitalismo começou agora a prejudicar os trabalhadores, mas porque a economia informal2 e uma rede de seguridade social esfacelada ampliaram a população prejudicada pelo sistema.

“A lição que aprendemos nesse processo é que não podemos mudar nossa vida cotidiana sem mudar as instituições e o sistema político e econômico pelo qual elas são estruturadas”, escreve Federici em seu livro Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns [que será lançado em 2021 pela Elefante]. Existem modelos para resistir a “um sistema social comprometido com a desvalorização de nossas vidas”, ela argumenta. Existem maneiras de restaurar esse valor, realocando-o para onde ele estava o tempo todo.

Federici ainda mora em Park Slope, onde vive, de forma quase contínua, desde 1970. Ela conheceu George Caffentzis em 1973, quando decidiram morar juntos e, dentro de um ano, os colegas se tornaram um casal. Era Caffentzis que cozinhava dentro da parceria até recentemente, quando seu Parkinson tornou tudo mais difícil. Federici começou a cozinhar então, coisa que ela gosta mais agora do que quando tinha vinte anos. Caffentzis adora cozinhar, ela me disse, e esse prazer a ajudou a ver a tarefa como uma coisa menos pesada e mais bonita. Ainda assim, ela se refere a essas tarefas domésticas como “reprodução”, como quando diz: “Eu faço mais reprodução do que no passado. Antes, tínhamos uma participação mais igualitária.”

O apartamento deles está cheio de livros – nas prateleiras, mas também embaixo do sofá e da cama, empilhados nos cantos, até mesmo guardados nos armários da cozinha, entre os pratos. Aos 78 anos, Federici está ativa: edita um livro sobre a pena de morte (contra a qual faz campanha há anos) e prepara um novo manuscrito para publicação: Patriarcado do salário: notas sobre Marx, gênero e feminismo, que sai em inglês em maio. Suas perguntas são, de certa forma, as mesmas perguntas que ela tem feito desde os anos 1970: por que as críticas marxistas ao capitalismo ignoraram os tipos de trabalho que não acontecem no que geralmente consideramos como “local de trabalho”? Quais são as consequências dessa omissão?

Em uma de nossas caminhadas, Federici me contou sobre os três anos em que ela não escreveu nada. Sua mãe idosa precisava de cuidados 24 horas por dia, e a pesquisadora voou para Parma para se juntar à irmã no esforço. “Ela não conseguia se mover. Éramos eu, minha irmã, o dia todo, e não era o suficiente. Nós desmaiávamos às nove horas da noite, quando ela finalmente dormia.” Federici descobriu que sua mãe, durante sua internação de catorze dias, teve escaras profundas. “Este é um momento que nunca esquecerei, o desespero. O que nós íamos fazer?”.

Nos dias que se seguiram, enquanto ela e sua irmã limpavam e colocavam curativos nas feridas, movimentavam a mãe de um lado para outro do sofá para que ela não ficasse acamada, a alimentavam, a vestiam, davam banho, a mente de Federici se voltava frequentemente para políticas de saúde. “Imagine se tivéssemos algum tipo de estrutura na comunidade que pudesse nos ajudar. Esta é uma das coisas que sempre tive em mente: estou aqui, neste momento, nesta cidade, neste país – deve haver outras milhares de mulheres como eu que estão passando pelo mesmo tipo de agonia.”

Silvia se virou para mim e disse, com uma cadência na voz: “É realmente uma questão do valor da vida. O que é valioso? Quais são as prioridades? Acho que, a menos que toquemos nesse assunto, a menos que toquemos nisso…”. Depois que sua mãe morreu, ela voltou para casa e começou a escrever sobre os comuns.

Nos últimos dez anos, Federici mudou seu foco para a necessidade de reverter o “enclausuramento” – o processo pelo qual o mundo se torna dividido e confinado para o lucro. Quase tudo, Federici argumenta, ficou “enclausurado” no capitalismo: não apenas propriedade e terra, mas também nossos corpos, nosso tempo, nossos modos de educação, nossa saúde, nossos relacionamentos, nossa atenção, nossas mentes. Durante a pandemia, como Francisco Cantú apontou em um artigo da revista New Yorker em janeiro citando Federici, nossa capacidade de falar com as pessoas que amamos foi mediada e monetizada por empresas de tecnologia. O remédio para o cerco, propõe Federici, é transformar cada vez mais o mundo em um comum.

“Os comuns” denotam recursos (terra, conhecimento, material cultural e intelectual) mantidos de maneira comunitária fora de qualquer tipo de mercado. Comum é essa ideia em ação, uma prática de colocar mais e mais de sua vida fora do alcance da mercantilização ou extração. O fascínio da comunalização é que isso é possível em qualquer lugar, desde que haja uma comunidade disposta: um terreno baldio pode se tornar uma pequena fazenda de subsistência, as preocupações com a saúde de um bairro podem ser atendidas com uma clínica local administrada pelo bairro; o trabalho de cuidado pode ser compartilhado entre as famílias. “Você não precisa de permissão” para o comum, diz David Bollier, estudioso de longa data do tema. “Você não precisa ter procuradores em Washington como lobistas e advogados. Você não precisa ser um especialista – você é um especialista em sua própria expropriação. E, portanto, você pode criar algumas de suas próprias coisas que sejam adequadas à situação.”

As formas como isso pode parecer são tão variadas quanto as comunidades que buscam atender a quaisquer necessidades não atendidas. Recentemente, um grupo de programadores construiu uma ferramenta on-line gratuita para ajudar famílias a formar e programar cooperativas de cuidados infantis. As redes de ajuda mútua são um tipo de prática dos comuns que floresceu durante a pandemia: usando algo tão simples como um documento no Google, os vizinhos podem escrever o que precisam e o que podem dar, formando (ou revelando) uma rede de relações simbióticas.

Essas trocas parecem mundanas: em vez de você contratar um faz-tudo, um vizinho pode vir até sua casa para ajudar a instalar seu ventilador de teto; em troca você pode ajudá-lo, ou a outra pessoa, com sua declaração de imposto de renda ou com o cuidado de seus animais de estimação ou do jardim. Além de doar para grandes organizações sem fins lucrativos, você também pode atender aos pedidos da rede de ajuda mútua local para ajudar um vizinho a pagar o aluguel. Enquanto pressiona o governo ou outras organizações a alocarem recursos absolutamente necessários, sua comunidade pode se mobilizar para reunir e aumentar os recursos que possui atualmente.

Os modelos de Federici para práticas comuns bem-sucedidas são traçados a partir de uma perspectiva internacionalista, e ela observa que as comunidades indígenas são frequentemente criadoras e mantenedoras de práticas comuns: ela cita os “defensores da água” na Amazônia, o movimento dos sem-terra na África do Sul, jardins urbanos em Gana, as mulheres chilenas que juntaram seus alimentos e trabalho em resposta a iniciativas de austeridade ordenados pelo governo. “Não são as comunidades mais industrializadas, mas as mais coesas que conseguem resistir e, em alguns casos, reverter a maré de privatizações”, escreve ela em Patriarcado do salário

Um dos exemplos mais instrutivos de Federici de práticas comuns é a campanha de protesto do povo Sioux na reserva de Standing Rock, entre os estados de Dakota do Norte e Dakota do Sul, nos Estados Unidos, em 2016 e 2017. No decorrer da luta contra um projeto de gasoduto, os Sioux e seus aliados construíram uma rede de acampamentos que manteve milhares de manifestantes alojados, alimentados e seguros, mesmo enquanto o inverno chegava; eles criaram uma escola para as crianças, reconhecendo que, se famílias inteiras fossem participar, as crianças precisariam de cuidados e educação. Muito por terem tornado os acampamentos uma comunidade habitável e durável, eles foram capazes de sustentar e ampliar o esforço de um movimento com apoio internacional e impulso contínuo, embora o próprio acampamento tenha sido destruído pelas autoridades policiais em fevereiro de 2017.

A prática comum, escreve Federici, produz “uma experiência poderosa e rara como a de fazer parte de algo maior do que nossas vidas individuais, de habitar ‘nesta terra da humanidade’ não como um estranho ou um invasor, que é o modo como o capitalismo deseja que nos relacionemos com os espaços que ocupamos, mas como casa.”

“Muitas vezes a esquerda não vê o poder das comunidades”, disse ela à cineasta e escritora Astra Taylor em uma entrevista em 2019. Sua política, que reverbera os métodos da Wages for Housework, enfatiza as possibilidades revolucionárias de dizer às pessoas que elas podem lutar pela mudança onde quer que estejam, seja em casa, no supermercado, na igreja, em um abrigo, na linha de produção, na creche. “A vida cotidiana é o principal terreno da mudança social”, ela escreve.

Federici, ao imaginar a possibilidade de um mundo verdadeiramente justo, escreve sobre como a ação coletiva e transformadora pode se equiparar à magia da natureza, que se regenera continuamente. Nesse sentido, ela continua tendo o Prospect Park como um exemplo de criatividade, possibilidade e beleza. Quando perguntei, em um dia escuro do ano passado, se alguma coisa a estava fazendo sentir a magia do mundo, ela gritou: “Oh! Oh! Tudo isso”. Ela acenou com as mãos no ar, gesticulando para as árvores, os pássaros, a terra no canteiro próximo que era examinada por um par de crianças.

Seus olhos enrugaram por trás da máscara. “A criatividade da natureza. E das pessoas. Eu sou muito entusiasmada com as pessoas.” Quando comecei a rir de descrença, ela protestou. “Há realmente muita beleza, generosidade, coragem, meu Deus. Ainda há alegria, eu a vejo – ainda há muita beleza neste mundo. E espero que ela prevaleça sobre aqueles que só querem controlá-lo e destruí-lo.”

 

NOTAS DA TRADUÇÃO

1 Cabe mencionar a chamada “PEC das domésticas” no Brasil (PEC 66/2012), que entrou em vigor em 2013 e é um marco regulatório das relações trabalhistas de trabalhadoras e trabalhadores domésticos.

2 No original, gig economy, refere às práticas econômicas recentes, como por exemplo a dos aplicativos de carona ou de entrega; uma economia sem relação empregatícia formal e mediada por tecnologias. Para mais informações: O que é gig economy?, no Projeto Draft.

3 No original, people of color, que, nos Estados Unidos, não tem sentido pejorativo e se refere a pessoas de origem africana, asiática, indígena e de outros grupos politicamente minorizados etnicamente. No Brasil, a expressão “de cor” adquiriu historicamente um sentido pejorativo, por isso a escolha por “pessoas não brancas” ou “racializadas”, desse momento do texto em diante.

4 No Brasil, segundo matéria da Gênero e Número, Segunda categoria mais beneficiada pelo Auxílio Emergencial, trabalho doméstico perde 1,5 milhão de postos de trabalho. Dados do Ministério Público do Trabalho e da Justiça revelam descumprimento de direitos básicos na pandemia.

5“Nevertheless, she persisted” (em português, “Apesar disso, ela persistiu”) foi a expressão usada nos Estados Unidos, em 2017, depois que o Senado votou para silenciar as objeções da senadora Elizabeth Warren à confirmação do senador Jeff Sessions como procurador-geral, criticando seu histórico em relação aos direitos-civis. A expressão não teve muita repercussão no Brasil, ao contrário das camisetas O FUTURO É FEMININO, citado anteriormente na matéria.

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(c) Rebeca Figueiredo, 2019

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