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Por Maria João Cantinho
Publicado na Revista Caliban

 

oão Pedro Cachopo é musicólogo e filósofo. Leciona na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde integra o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical. É autor de A torção dos sentidos: pandemia e remediação digital (Documenta, 2020, e Elefante, 2021) e de Verdade e Enigma: Ensaio sobre o pensamento estético de Adorno (Vendaval, 2013), que recebeu o Prêmio Primeira Obra do PEN Clube Português em 2014. Coeditou Rancière and Music (Edinburgh University Press, 2020), Estética e Política entre as Artes (Edições 70, 2017) e Pensamento Crítico Contemporâneo (Edições 70, 2014).

 

Quando lhe apareceu a necessidade de escrever sobre a pandemia? Foi a partir da leitura de outros teóricos como Agamben, Žižek, Byung-Chul Han, entre outros, ou veio antes disso, pela perturbação causada?

Para responder a essa pergunta, tenho de voltar ao início de 2020. Como todo mundo, fui apanhado de surpresa pela pandemia. E essa surpresa levou-me a escrever sobre o que se passava de forma bastante espontânea. Ao mesmo tempo, começaram a surgir todos aqueles textos — de Agamben, de Žižek, de Han, de Butler, de Nancy. Ler aqueles textos, em particular os que menos me convenciam, fez surgir em mim a vontade de reagir a eles.

Foi neste contexto, entre o final de março e o início de abril de 2020, que surgiu o ensaio “O que pode a filosofia nos tempos que correm?”, que foi publicado no Punkto, e que acabaria por constituir, depois de uma revisão posterior, o primeiro capítulo do meu livro. Seja como for, não me passava pela cabeça escrever um livro sobre a pandemia. Essa vontade — na verdade acho que foi mais uma tentação, uma tentação a que acabei por não resistir — só surgiu mais tarde, em maio. Continuaram a surgir textos que me deixavam descontentes e, junto desse descontentamento, mais ideias para outros ensaios. Aos poucos, ganhava corpo a hipótese que acabaria por se tornar o eixo em torno do qual o meu livro está organizado.

Portanto, a vontade de reagir ao que outros escreveram foi um fator importante. Mas não foi o único, nem sequer o mais decisivo. E a sua importância cruzou-se com uma série de outras circunstâncias da minha vida pessoal e acadêmica. Por exemplo, o fato de ter regressado muito recentemente de Chicago, e estar ainda mentalmente entre dois continentes, tornou-me hipersensível à questão da proximidade e da distância. Outro aspecto decisivo foi o fato de ter lecionado, na Primavera de 2020, uma cadeira sobre a relação entre música, tecnologia e modernidade — uma cadeira em que abordamos textos de Benjamin, McLuhan, Kittler, Sterne e Auslander. Estas leituras tornaram-me particularmente imune ao fervor apocalíptico que se apoderou de alguns estetas e intelectuais perante o recurso a tecnologias de remediação digital no campo das artes.

 

Precisamente um dos temas mais interessantes do seu livro é a relação entre proximidade e distância, que aborda a partir da relação benjaminiana entre aura e vestígio…

De fato, esse passo do Livro das Passagens de Benjamin desempenha um papel importante no meu livro. É um fragmento que me acompanha há muito tempo, desde que o ouvi comentado, de forma magistral, pela Maria Filomena Molder. É um fragmento belo e difícil, desde o ponto de vista da tradução.

A razão da sua importância no meu livro é simples. Tem a ver com esta intuição: a experiência das novas mídias, a experiência através das novas mídias, é uma experiência em que se pode estar na posição de quem captura e de quem é capturado, logo de quem segue vestígios ou de quem é dominado pela aura. Só que não é claro em que posição se está. É esse o drama. As novas mídias prometem a democratização do conhecimento, prometem o acesso ao desconhecido, prometem a imediatez da comunicação, e lá vamos nós, pela Internet, seguindo esses vestígios, supondo-nos donos e senhores do que caçamos. Simplesmente, a cada clique, seja ele um like no Facebook, uma compra na Worten ou a abertura de um qualquer link, também nós deixamos vestígios. E esses vestígios transformam-nos, sem que disso nos apercebamos, em presas. Já não somos caçadores, mas caçados.

Dizer isto assim soa um pouco a teoria da conspiração, mas não é disso que se trata. Trata-se, simplesmente, de reconhecer que todas estas plataformas por cujos serviços não pagamos (o Facebook, o Instagram, etc.), são plataformas nas quais somos não o cliente, mas o produto. O cliente é quem paga pelos anúncios. Nós, que os vemos, somos o que é vendido. Este excerto de Benjamin tem essa vantagem de, por meio do conceito de vestígio, permitir pensar a ambivalência da nossa posição enquanto passeantes do mundo digital.

 

Trata-se de um pensamento sobre o presente. Não teve receio de não criar distância do seu objeto de reflexão?

A questão não se me apresentou dessa maneira. Mas sim, creio que o termo — o adjetivo “intempestivo” — se adequa. E adequa-se porque se tratou de ir “contra” o tempo, quer no sentido de ir ao encontro do presente quer no sentido de ir a contramão da maioria das interpretações desse presente.

Mas gostaria de comentar a questão da distância um pouco mais detidamente — a propósito da segunda parte da sua pergunta, sobre se não tive receio de não criar distância. Eu, na verdade, e embora me distancie de muito do que se escreveu no campo da filosofia sobre a pandemia, não adiro à retórica do recuo. Acho, na verdade, que a variedade de interpretações filosóficas sobre a pandemia é um sintoma de vitalidade. É curioso que esta percepção foi algo que me aproximou, nestes debates pandémicos, do Pedro Duarte — que mora no Brasil e que escreveu um belíssimo livro sobre a experiência pandémica, A Pandemia e o Exílio do Mundo. Quase parece — estou a parafraseá-lo — que a filosofia é presa por ter cão e por não ter. Ora é criticada por se refugiar numa torre de marfim, ora — e houve quem seguisse essa linha de raciocínio — por intervir demasiado cedo, por não criar distância do seu objeto.

Eu gostaria de me posicionar da seguinte forma: reafirmando a necessidade de distância, mas reinterpretando o sentido dessa distância a fim de evitar a retórica da espera e do recuo. Por outras palavras, parece-me que a filosofia pode e deve ser intempestiva. E considero que essa intempestividade implica uma certa distância. Contudo, a distância da filosofia não é nem espera no tempo, nem recuo no espaço. É desvio — e esse desvio tem um propósito simples: o de encontrar o melhor ângulo para iluminar os pontos cegos de uma situação crítica ou mesmo, em certos casos, catastrófica.

 

Em que consiste a torção dos sentidos e de que modo ela se relaciona com aquilo que chama a “remediação da experiência”? Ou seja, de que modo fomos, neste sentido, afetados pela pandemia?

Esta pergunta permite-me retomar o argumento de fundo do livro. E, ao mesmo tempo, obriga-me a reconhecer que — como a Mariana Pinto dos Santos bem notou — quer o título quer o subtítulo do livro são, até certo ponto, enganadores. O título, porque os sentidos em causa na expressão “a torção dos sentidos” não são os tradicionais cinco sentidos. Têm que ver com a imaginação e não com a percepção. O subtítulo, porque a remediação é aqui apresentada, não apenas no sentido de remédio e remendo, mas no sentido técnico da palavra — enquanto representação de um medium noutro medium. Neste aspecto, o conceito de remediação da experiência mais não é do que uma forma de caracterizar uma experiência cujos verbos do quotidiano — conversar, trabalhar, estudar, ir às compras, assistir a um espetáculo — passaram a implicar, com uma frequência inédita, o recurso a tecnologias digitais.

O exacerbamento do uso de tecnologias digitais foi a principal consequência da pandemia — ou, melhor dizendo, das medidas tomadas para conter a pandemia. E, a par do isolamento, foi esse uso exacerbado que abalou a nossa imaginação, produzindo aquilo que designo por torção dos sentidos. E que sentidos são esses? São modos de experiência que nos ligam ao mundo pela imaginação, como o amor, a viagem, o estudo, a comunidade e a arte. E o que têm eles em comum? Muito simplesmente o facto de todos eles poderem ser vistos como exercícios de aproximação e distanciamento imaginários. Do “outro” no caso do amor. Do “desconhecido” no caso do estudo. Do “longínquo” no caso da viagem — e assim por diante. Resta sublinhar que a lista não é, nem pretende ser, exaustiva.

 

As nossas relações com o tempo e o espaço alteraram-se. Em que medida?

Sem dúvida, a torção dos sentidos — que mais não é do que a torção da nossa faculdade de imaginar — afetou as experiência do amor, do estudo, da viagem, da comunidade e da arte, mas afetou também, desde logo e de forma concomitante, a nossa imaginação espaço-temporal. Isto, no entanto, aconteceu de formas distintas.

No que toca ao espaço, sentimo-nos, pelo menos no início, mais próximos do distante, no sentido em que nos preocupava subitamente o que acontecia noutros pontos do mundo. A pandemia foi o primeiro acontecimento verdadeiramente global. Nem as Grandes Guerras nem as crises financeiras passadas, nem o 11 de Setembro tiveram um impacto tão imediatamente global como a pandemia da covid-19. Ao mesmo tempo, tudo pareceu a uma distância idêntica. Sentimo-nos igualmente próximos ou distantes de colegas ou amigos, independentemente de estes viverem na nossa cidade ou noutros continentes.

A experiência do tempo alterou-se de um modo distinto. Também houve uma certa equalização das distâncias, mas essa equalização deu-se como um afastamento e não como uma aproximação. E isto verificou-se quer em relação ao passado quer em relação ao futuro. Por outras palavras, o “há muitos anos” e o “pouco tempo antes da pandemia” parecem igualmente distantes… Apetece dizer: “aquele tempo em que não se usava o Zoom…, lembra-se?” Isto em relação ao passado. Em relação ao futuro, é o “logo após a pandemia” — se é que vai haver este “logo após a pandemia” — e o “daqui a muitos anos” que parecem pertencer a um futuro longínquo, incerto e enevoado.

Poderíamos ser otimistas em relação a esta percepção. E sugerir, como faço a páginas tantas, que isso coloca um peso no presente que nos incita à ação…

 

Um dos capítulos do seu livro é sobre a arte. Com a pandemia a fazer tantas vítimas (em vários sentidos) na arte, como acha que será o futuro da arte? Voltará tudo ao “normal”? Ou nossa relação com ela será alterada?

Espero que não volte tudo ao normal! Ou seja, a questão, a meu ver, não é apenas se é provável mas também se é desejável que volte tudo ao normal. Isto não quer dizer que eu desvalorize o impacto negativo da pandemia. Diria que, no campo das artes, importa distinguir duas questões.

Uma tem que ver com as consequências gravíssimas que a pandemia tem sobre o meio artístico — desde o cancelamento de ensaios, espetáculos e exposições ao fechamento de salas de cinema ou de livrarias. Desse ponto de vista, o impacto é inequivocamente negativo e é importante exigir mais apoios que salvaguardem todos aqueles e todas aquelas que trabalham no meio sem distinguir os seus estatutos.

Mas esta não é a única questão. Importa também pensar esta crise na óptica mais ampla da história da relação entre as artes e as tecnologias — em particular as tecnologias de gravação, reprodução e manipulação do som e da imagem. Nas artes do espetáculo, os constrangimentos da pandemia constituem não só uma ameaça mas também um desafio. Os constrangimentos da quarentena e da nova normalidade obrigaram intérpretes, encenadores e diretores artísticos a encontrarem soluções novas para os problemas inéditos gerados pela necessidade de distanciamento físico entre intérpretes e espectadores — e muitas dessas soluções estão a alargar as fronteiras do que se entende por espetáculo ao vivo e a problematizar dogmas como o da maior autenticidade do espetáculo ao vivo por contraste com o espetáculo remediado.

Como trabalho muito sobre a relação entre a ópera e os novos media, estou particularmente atento ao que se passa neste campo. Há coisas absolutamente extraordinárias a acontecer, desde o “Twilight: Gods”, uma adaptação d’O Crepúsculo dos Deuses de Wagner, que o Yuval Sharon montou — pasme-se — no parque de estacionamento do Teatro de Ópera de Detroit ao vídeo-ópera de L’enfant et les sortilèges de Ravel, realizado, em colaboração com intérpretes espalhados por todo o mundo, por Rachael Heyer.

 

Um dos capítulos do seu livro intitula-se “Apocalípticos e Remediados”, numa alusão ao texto de Umberto Eco, Apocalípticos e Integrados, de 1964. Neste texto, definem-se “duas atitudes contrastantes perante a cultura de massas”. A minha pergunta é obviamente uma provocação: podemos continuar a falar do conceito de massa da mesma forma, após a “remediação”?

Apetece-me responder a esta pergunta remetendo, não para esse capítulo, mas para a secção sobre a comunidade. Nessa secção, retomo uma ideia — que me parece justa — de Byung-Chul Han, um autor que cito bastante, quase sempre para me distanciar, mas não neste ponto. Propõe ele que, em tempos tão dominados pelos media digitais, a melhor metáfora para pensar a massa já não é nem o rebanho nem a matilha, mas o enxame. O enxame digital, que ele pensa em relação com o uso de social media, diz respeito a uma associação vertiginosa e agressiva de indivíduos, indivíduos que, por um lado, mantêm um perfil individual, mas que, por outro lado, se acham, de alguma forma, desresponsabilizados pela distância física. A melhor forma de compreender esta ideia é ver ou rever um episódio da série Black Mirror (“Hated in the Nation”). Há qualquer coisa de assustador, no potencial de violência que contém, na formação de massas online — e isto mesmo quando os valores são supostamente bons, como é o caso naquele episódio.

Em termos mais gerais, a vantagem desta ênfase no enxame digital é esta: reconhecer que, nos tempos que correm, deixou de ser possível pensar a formação de massas tendo como paradigma a rua. Mesmo as manifestações na rua dependem hoje, para ganharem fôlego e visibilidade — quase apetece dizer para existirem — do eco que recebem nas mídias sociais, do modo como são remediadas. Portanto, não creio que possamos continuar a pensar a massa da mesma forma. O que não quer dizer que tudo o que se escreveu antes se tenha tornado obsoleto. O Massa e Poder de Canetti, uma obra de um fôlego, de uma liberdade e de uma inteligência absolutamente notáveis, continua em muitos aspectos atual.

 

Qual o lugar da comunidade, em tempos de pandemia?

Essa pergunta é importante, mas inseparável de uma outra, que eu gostaria de considerar em primeiro lugar. Que papel teve a pandemia na comunidade? Ou melhor, que consequências teve a pandemia no modo como imaginamos, vivemos e valorizamos a comunidade? A primeira coisa que me parece evidente é isto: a experiência da comunidade tornou-se inseparável da remediação, ou seja, do uso de tecnologias digitais. Ao que importa acrescentar de imediato que a remediação não é a única coisa da qual a comunidade é inseparável. A comunidade é — sempre foi e sempre será, como Benedict Anderson sublinhou em Imagined Communities — inseparável da imaginação. Não há comunidade que não seja imaginada, cujo sentido não dependa de como as pessoas que a constituem imaginam os afetos, os entusiasmos e as esperanças que as unem. Simplesmente, hoje em dia, a imaginação e a remediação surgem entrelaçadas. As tecnologias digitais transformaram o modo como imaginamos. Mas nem por isso as usamos de forma automática ou pré-determinada. Se a remediação condiciona a imaginação, a imaginação condiciona a remediação. E ambas têm de ser tidas em conta no desafio de reimaginar a comunidade.

Há um outro ponto fundamental, que tem ainda que ver com a comunidade e com o seu sentido político. Um dos maiores perigos do presente consiste no fechamento da imaginação na esfera local e nacional. Não estou a equiparar o local e o nacional. Nem estou a sugerir uma oposição entre globalização e localização. Concordo com a ideia de que é possível pensar globalmente e agir localmente. Limito-me a acrescentar que, a par do perigo da globalização, surge hoje o perigo da localização: o perigo de uma mentalidade e de uma sensibilidade que imaginam a comunidade pondo a tónica no próximo em detrimento do distante. Desconfio em absoluto da retórica da comunidade local. Tudo o que o Tolentino Mendonça escreve, por mais que eu não duvide das suas boas intenções, me parece absolutamente problemático neste contexto.

 

Trata-se de um livro político?

Sim, trata-se de um livro político — e de esquerda, no sentido do Deleuze. Penso num passo das conversas com a Claire Parnet, em que Deleuze defende que ser de esquerda é uma questão de percepção — e não de valores, ideais ou palavras de ordem. A pessoa de esquerda, arrisca ele, vê primeiro o todo, o globo, e só depois o continente, a nação, a cidade, o bairro, os próximos e si próprio. A pessoa de direita vê pela ordem inversa: vê primeiro o próximo e só depois o distante. Sublinho que Deleuze opera esta distinção sem um pingo de moralismo. Trata-se de uma questão de percepção, não de moral. Ao que eu acrescentaria duas coisas: primeiro, que se trata também de uma questão de imaginação; segundo, que só uma comunidade capaz de se imaginar próxima do distante — que deseje e anseie concretamente por essa proximidade — poderá desempenhar um papel político e emancipador num mundo em que recrudescem o racismo e o nacionalismo e se agrava a crise climática.

 

Voce dá muita (e justa) importância às questões climáticas e ambientais. Acha que, no nosso mundo digital, hoje exacerbado pela pandemia, este é o novo desafio que se nos coloca? Como pode ajudar a remediação a dar o passo nesse sentido?

Há mais do que um grande problema nos dias que correm. E o grande desafio do presente é lidar com eles em simultâneo. A crise climática e o recrudescimento do racismo e do nacionalismo são dois desses problemas. Creio, de fato, que as tecnologias digitais — que associo ao conceito de remediação — têm um papel a desempenhar. No entanto, gostaria de sublinhar que estas tecnologias não apresentam, por si só, quaisquer soluções e que, além disso, geram outros perigos. O meio digital, neste sentido, é condição necessária, mas não suficiente, do enfrentamento daqueles problemas.

Em que medida é uma condição necessária? Na medida em que essas lutas — contra o racismo e o nacionalismo ou pela responsabilidade ecológica — não se fazem apenas por convicção. Fazem-se também por amor ao estrangeiro e ao longínquo. As convicções são importantes, mas as paixões são mais fortes. Ora, nos tempos que correm, não é possível cultivar esses sentimentos de curiosidade, de admiração e de atração pelo estrangeiro e pelo longínquo virando as costas às tecnologias digitais. Deste ponto de vista, insistir na crítica humanista ao digital — mobilizando as dicotomias entre “corporal” e “espectral”, “analógico” e “digital” ou “material” e “imaterial” — não é apenas filosoficamente inconsistente, na medida em que implica ignorar o estatuto transcendental da revolução digital, mas também politicamente irresponsável.

 

Que filósofos deveríamos ler neste momento?

Tenho uma certa dificuldade em responder a esta pergunta. Não acho que devamos ler mais este ou aquele filósofo, nem sequer que devamos ler mais filosofia do que outra coisa qualquer. Há autores e autoras, não só de hoje mas também de outros tempos, que faz sentido lermos ou relermos. Mas isto depende de cada pessoa. E não apenas no sentido em que cada pessoa tem os seus interesses pessoais. Mesmo considerando que há problemas comuns, mesmo pondo o acento agudo no presente, nem por isso há leituras mais convenientes em geral.

 

Olha para o futuro com optimismo? Deixaremos um mundo melhor aos nossos vindouros?

Não sei se deixaremos um mundo melhor aos vindouros. Mas nem por isso me considero um pessimista. Gramsci dizia-se um pessimista do intelecto e um otimista da vontade. Pela minha parte, aposto na imaginação — num otimismo da imaginação contra os desejos do intelecto e da vontade.

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