Por Tadeu Breda, editor

 

Conheci Jaider Esbell em uma manhã chuvosa na Casa das Rosas, em São Paulo, em algum momento de 2019. Ele estava com um mau humor tremendo. Fui até lá para conversar sobre Makunaimã: o mito através do tempo com parte dos autores do livro — entre os quais, Jaider, que em meio a resmungos desmontava uma exposição que havia feito no local, enrolando cuidadosamente seus magníficos desenhos. Uma vez que Makunaimã havia ganhado um edital do já então extinto Ministério da Cultura, a pauta da conversa era decidir conjuntamente como usaríamos os recursos. O projeto todo era capitaneado pela antropóloga e escritora Deborah Goldemberg, que havia sido curadora de um evento sobre os noventa anos da publicação de Macunaíma, de Mário de Andrade, e quis transformar em livro os debates enriquecedores que aconteceram naqueles dias. Graças ao seu engenho em transformar tudo aquilo em uma peça de teatro, e à sua iniciativa de buscar o financiamento de um edital sobre o centenário da Semana de Arte Moderna, Makunaimã: o mito através do tempo estava prestes a virar realidade. Só precisávamos costurar bem as conversas com os envolvidos. E Jaider não estava nem um pouco a fim de trocar ideia com a gente — comigo? — sobre isso naquele momento. Mas ainda assim conversou. Chegamos todos a um acordo, mas eu saí da Casa das Rosas desanimado, prevendo problemas e chateações futuras — que nunca chegaram. Na saída, Deborah tentou apaziguar os ânimos: “Não desanima não. Ele deve estar num dia ruim, só isso”. Duvidei, mas, a julgar pelas vezes que nos vimos depois daquele primeiro encontro desastroso, na Casa Mário de Andrade e na Biblioteca Mário de Andrade, em eventos relacionados ao livro, tinha sido apenas isso mesmo: só um dia ruim. Quando tiramos a foto da “Família Maku”, ou seja, das pessoas que juntaram esforços para a produção do livro, ocasião em que também fizemos uma leitura dramática do texto, Jaider estava muito feliz. Ele gostou muito de Makunaimã: o mito através do tempo. No lançamento, elogiou a edição do livro e o uso que fizemos de seus desenhos — para um editor, receber esse tipo de comentário de um grande artista não tem preço. Algumas vezes pegou exemplares conosco para vender nos eventos aos quais era convidado, um deles, me lembro, no Canadá. Depois, perdi seu rastro. Fui saber de Jaider novamente com a inauguração da 34ª Bienal de São Paulo. Vi uma foto das cobras gigantes instaladas no lago do Ibirapuera, e pensei: isso aqui só pode ser do Jaider. E era, uma magnífica obra chamada “Entidades”. Fui pesquisar e fiquei sabendo, com imensa alegria, que o artista era destaque da Bienal de 2021, além de assinar a curadoria de uma mostra de arte indígena no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Passei a segui-lo no Instagram, acompanhando suas postagens sobre “A Bienal dos índios”, como escreveu em um pedaço de papelão com o qual perambulou pelas exposições. Soube de sua partida por acaso, sem ninguém me avisar. Topei com a tristíssima notícia enquanto navegava sem rumo pela internet — ou pelo site de algum jornal. Quis escrever sobre a alegria que sempre foi para mim ter publicado pela Elefante, com as ilustrações do Jaider, esse livro tão especial que é Makunaimã — um projeto que encampei no mesmo instante em que me foi apresentado pela Deborah, na Flip de 2018. Mas preferi não dizer nada naquele momento. Há alguns dias, assisti à leitura dramática do livro que os autores-personagens fizeram pelo Zoom, e que foi transmitida pela Casa das Rosas. Deve ter sido o último registro em vídeo do Jaider. Fiquei bastante tocado com suas palavras iniciais, antes do início da interpretação da peça. Ouvi-lo nas vésperas de sua partida apenas confirmou uma certeza que eu já tinha: sua voz, seu trabalho, sua militância e sua arte farão muita falta. Já estão fazendo.

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