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As grandes mudanças sociais que virão

Pensamentos e políticas buscam transformações que aspiram a uma nova civilização que não se contenta com a sobrevivência.

Por Rodrigo Ottonello*
Publicado no Diagonales.com

 

As únicas mudanças em grande escala entre a sociedade global de dezembro de 2019 e a de hoje se dão no fato que a Sars-Cov-2 causou milhões de doentes e mortos e que as medidas preventivas de saúde alteraram completamente a vida diária em todo o mundo; no restante, tudo é igual. O mundo mudou, não a sociedade. As instituições e leis que organizam a vida são as mesmas que já não davam conta de responder a uma catástrofe em escala civilizatória e agora, diante de uma, o fazem, nos melhores casos, de forma desigual. Você trabalha, mas de casa; você vai para a universidade, mas é uma plataforma virtual; a cidade mudou, mas o espaço público foi reduzido; ficamos em casa, mas este já não é mais um espaço de descanso. Tudo está como antes, mas diferente: mais exaustivo, mais empobrecido e mais frágil. O “novo normal” (uma fórmula publicitária) é a normalidade que já conhecíamos adaptada com estresse às novas condições que a fazem cambalear. A pandemia da covid-19 se arrasta sobre edifícios pré-pandêmicos.

A sociedade ainda não respondeu ao novo mundo e não o fará até que existam novas instituições que considerem que as catástrofes ecobiológicas planetárias não são acidentes a serem enfrentados para depois retornar à “velha normalidade”, mas que estão formando a geografia de nosso futuro imediato. Depois da covid-19 outras crises virão, provavelmente ainda piores. Os equilíbrios ambientais e sociopolíticos que tornaram possível o mundo anterior estão se desintegrando há décadas e estamos testemunhando apenas os primeiros efeitos. Essa situação, também conhecida há décadas, tem inspirado o desenvolvimento de grandes empresas que hoje disputam os novos recursos que serão vitais no mundo em catástrofe – mas ainda não surgiram novas instituições. Instituições nascem muito lentamente. No entanto, alguns horizontes estão surgindo.

As grandes corporações de conquista informática e do espaço hoje são as principais a garantir que não haja transformações institucionais ou jurídicas de qualquer tipo, não apenas porque se beneficiam do estado atual das coisas, mas porque o objetivo final é tornarem-se elas mesmas as instituições, as leis, colonizando ou substituindo os antigos poderes do Estado já enfraquecidos. Essas vozes que dão motivo para adiar ou negar a implementação de mudanças profundas são, em última instância, aquelas associadas a uma seleta minoria que está obtendo notáveis ​​benefícios econômicos e estratégicos da catástrofe em curso. Algumas ações atuais são mais do que claras: algumas empresas, amparadas por leis que não contemplaram a pandemia e sem resistência dos Estados, negaram compartilhar suas vacinas com o mundo, condenando milhares (talvez milhões) à morte em nome dos lucros de suas patentes. Estas são, sem ambiguidades, operações de conquista, e se não as reconhecermos como tais será porque as teremos naturalizado como novas instituições, tomando-as como agentes de uma normalidade em que serão tolerados massacres passivos e biopolíticos, da mesma forma que outros povos toleraram outros massacres.

Aqueles que prometem ou fingem que em breve tudo ficará bem e aqueles que avisam que devemos nos resignar ao sacrifício de vidas e modos de vida não dizem a mesma coisa, mas falam a mesma língua. Por outro lado, as vozes capazes de viver à altura desta catástrofe e das que virão serão aquelas que sabem dizer que não vai dar tudo certo (pelo contrário, os desafios serão imensos) e sabem fazer isso sem resignar-se ao sacrifício das populações. Embora defensores e defensoras do “novo normal” neguem essas vozes vitais o tempo todo, elas existem em muitas formas. A discussão da matriz alimentar argentina e da produção de alimentos populares e não agrotóxicos, desenvolvida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Terra, a institucionalização de práticas econômicas não baseadas no endividamento e no confisco (estudado recentemente por Luci Cavallero e Verónica Gago em Uma leitura feminista da dívida) e os estudos monumentais e visionários sobre o fim do mundo conhecido e o início de um novo, publicados entre 2010 e 2021 pelo filósofo Fabián Ludueña Romandini (A comunidade dos espectros) são alguns exemplos, entre outros, de pensamentos e políticas que hoje buscam, ao invés de adaptações e recuperações, formas concretas de propor transformações em larga escala que aspiram a uma nova civilização que não se contenta com a sobrevivência.

A resposta social à catástrofe está, pelo menos em parte, ainda em jogo. As perspectivas não são as melhores, mas qualquer caminho diferente, além do otimismo espetacular e da resignação calculista, exigirá vozes novas e ousadas e, acima de tudo, a capacidade de ouvi-las.

 

* Doutor em Ciências Sociais, professor associado da Universidade de Belgrano, autor de La destrucción de la sociedad (2016)

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