Os elefantes estão muito muito muito felizes em ver De bala em prosa: vozes da resistência ao genocídio negro entre os dez finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Crônica. Essa é a quarta vez que somos notados pelo júri do pequeno quelônio literário (Corumbiara, caso enterrado, Branco vivo e Raul já figuraram na lista). Não sabemos se o livro estará entre os cinco que efetivamente concorrerão à honraria. Mas já não temos a menor dúvida de que se trata da indicação mais especial que recebemos.

Publicado no comecinho de 2020, De bala em prosa originou-se da chamada pública “80 tiros, 01 livro?”, lançada nas redes sociais da Elefante em 9 de abril de 2019. A iniciativa foi motivada pelo trágico episódio que, dois dias antes, havia tirado a vida do músico negro Evaldo Rosa dos Santos no Rio de Janeiro. Ferido na mesma ocasião, o catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, também negro, morreria uma semana depois, no hospital. Evaldo e Luciano foram vítimas do Exército brasileiro.

Na tarde do dia 7 de abril de 2019, um domingo, doze militares descarregaram os fuzis contra o Ford Ka branco em que Evaldo trafegava com a família, na zona oeste carioca. O grupo se dirigia a um chá de bebê; Luciano, que passava pelo local no momento dos disparos, foi alvejado ao tentar ajudar os passageiros do automóvel atacado. As primeiras notícias davam conta de que os soldados haviam disparado “mais de oitenta” projéteis em direção ao carro. O número exato — e ainda mais estarrecedor — seria revelado depois, pela perícia: os militares, na realidade, puxaram o gatilho 257 vezes.

Tomados pela revolta, propusemos a publicação de uma coletânea para que escritoras e escritores afrodescendentes expressassem, em prosa não ficcional, suas visões internas do genocídio, do qual as mortes de Evaldo e Luciano — e as reações do Estado e de seus representantes — foram apenas mais um triste e doloroso capítulo. Recebemos mais de 120 textos, dos quais selecionamos 24. A curadoria ficou a cargo de Vanessa Oliveira, Gabriel Rocha Gaspar e Túlio Custódio.

Assim, De bala em prosa nasceu com um objetivo político claro e sem nenhuma finalidade comercial. Imprimimos e distribuímos gratuitamente, entre autores e parceiros, 1.500 exemplares — os leitores também puderam encomendar o livro pelo site apenas pelo preço de custo do envio. Para que ninguém tivesse o acesso prejudicado às crônicas, o mesmo arquivo enviado para a gráfica foi disponibilizado na internet. Até agora, houve pelo menos 1.931 downloads do PDF e 57.796 do e-book. E realmente esperamos que esses números sejam muito maiores devido a compartilhamentos incontroláveis entre os leitores. Mandem pra todo mundo!

A indicação de De bala em prosa entre os dez finalistas do Jabuti vem coroar um processo editorial coletivo e militante que, sim, enfrentou muitas dificuldades e ofensas pesadas, mas que conseguiu se realizar graças ao empenho das pessoas que acreditaram no projeto e, apesar da chuva de críticas que recebemos pelas redes sociais, jamais cogitaram desistir dele. Nosso muito obrigado sobretudo aos autores e autoras: com De bala em prosa, a maioria teve o nome impresso em um livro pela primeira vez, e já de cara tiveram o nome também listado entre os finalistas do prêmio mais tradicional da literatura brasileira, ao lado de vários figurões.

Não é pra comemorar? Parabéns, gente! Aqui na Elefante continuamos seguindo em frente, cavando as brechas, em manada.

 

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