Economia compartilhada,
Airbnb e variação de preços

Cidades europeias testam leis rigorosas para evitar expulsão de moradores provocada pelo Airbnb; leia artigo de Bianca Antunes, jornalista especialista em urbanismo

Por Bianca Antunes
Esquina

A ideia é incrível. De um lado, compartilhar seus gastos, dividir seu lar, conhecer novas pessoas e ter uma grana extra no fim do mês. De outro, a possibilidade viver como alguém local, pagar menos do que em um hotel e se hospedar com o conforto de uma casa. E tudo permitido pela tecnologia e por startups criadas por gente jovem quer quer melhorar o mundo.

Mas nem tudo são flores. Na prática, os sites de aluguel temporário — sendo o Airbnb o mais forte deles — já valem mais do que redes hoteleiras como o Hilton e reforçam no dia a dia das cidades a presença de um grande vilão: a especulação imobiliária.

Funciona assim: em cidades em que o turismo é uma parte importante da economia, o aluguel de quartos e de apartamentos privados é um negócio cada vez mais lucrativo, abrindo caminho para a especulação.

Raquel, 145 apartamentos para alugar

Em Lavapiés, um bairro tradicional no centro de Madri, um grupo de vizinhas se reuniu para descobrir quem era a Raquel – alguém com 145 apartamentos para alugar na região, incluindo edifícios inteiros, pela plataforma do Airbnb. Descobriram que, usando um nome próprio comum na Espanha, estava por trás uma empresa de locação de apartamentos – por sua vez, ligada a um grupo internacional.

Para saber se a economia é compartilhada ou restrita a grupos econômicos, o Inside Airbnb – uma ferramenta não comercial e independente – organizou dados públicos do Airbnb, permitindo analisar como o site está sendo usado em cidades pelo mundo. Em Barcelona, por exemplo, 57,5% dos anfitriões têm mais do que um imóvel anunciado; em Roma, o número chega a 60% – o que significa que o anfitrião não aluga o apartamento em que mora, e que empresas podem estar por trás do negócio em vez de um vizinho alugando seu apartamento (ou parte dele) para complementar sua renda.

Prefeituras e a proteção da moradia

Há algum tempo, o Airbnb tem entrado no foco de governos que se preocupam com especulação e habitação. Nas cidades onde o turismo aumenta, há déficit de moradias e consequente alta nos preços dos alugueis – situação em que quase todas as metrópoles do mundo podem ser incluídas.

Há diferentes soluções sendo testadas para frear a especulação imobiliária e lidar com o déficit habitacional. Em Berlin, uma lei de 2016 proíbe que o anfitrião alugue temporariamente mais de 50% de seu apartamento – quem ignora a lei está sujeito a multa de 100 mil euros.

Em Barcelona, os apartamentos dedicados a receber turistas devem ser registrados na prefeitura. Ada Colau, atual prefeita, tem travado uma guerra contra os apartamentos ilegais e o Airbnb. Mais de 2 mil apartamentos foram tirados da plataforma no último ano, por não estarem registrados na prefeitura, que admite haver, ainda, de 5 a 6 mil unidades que operam sem licença, e que podem receber uma multa que chega a 60 mil euros.

Barcelona é um bom exemplo de como a economia compartilhada ganhou outros rumos e passou a ser uma oportunidade de exploração imobiliária. Em 2015, segundo uma pesquisa de Agustín Cócola Gant, da Universidade de Lisboa, a capital catalã possuía mais de 14 mil apartamentos no Airbnb – 2,2% dos apartamentos disponíveis na cidade. O fenômeno, no entanto, é desigual dependendo da região: no centro histórico, a proporção subia para 9,6% e, só no Bairro Gótico, representava 16,8% dos apartamentos, ou seja, 1 de cada 6 apartamentos do bairro estava listado no Airbnb.

Por isso, um novo planejamento urbano em Barcelona, chamado Peuat (Plan Especial Urbanístico de Alojamiento Turístico), dividiu a cidade em áreas, em função da pressão turística de cada uma. A ideia é garantir moradia em bairros centrais e chegar a um equilíbrio entre turistas e moradores que garanta um comércio tradicional (com serviços e lojas de bairro) e evite que determinadas áreas se transformem em um parque turístico, com apenas bares e restaurantes caros, sem serviços básicos nem vida cotidiana.

O Peuat regulamenta a implantação de estabelecimentos e de alojamentos turísticos – o que inclui hotéis, albergues da juventude e apartamentos privados –, para garantir “um modelo urbano sustentável, baseado na garantia dos direitos fundamentais e da melhoria da qualidade de vida dos vizinhos”, segundo a prefeitura. Na área 1, por exemplo, a ideia é que a oferta de alojamento turístico caia: se algum quarto fechar, não se pode abrir outro. Na área 2, a ideia é que o número se mantenha: se algum quarto fechar, pode-se abrir somente um quarto a mais; e assim por diante.

Como se dá a expulsão dos moradores

Agustín verificou três modelos de “expulsão” dos moradores causados pelo aluguel temporário para turistas em Barcelona: expulsão direta, excludente e por pressão.

A primeira inclui finalizar contratos de aluguel de longo termo antes da hora, ou simplesmente não renová-los. Há relatos de intimidação e de degradação deliberada do edifício para forçar a saída dos locatários.

A expulsão excludente impede o acesso à moradia. É causada por dois fatores: pelo déficit de moradia em si, pois cada vez mais unidades estão sendo alugadas para turistas, e pelo fato de que o aluguel temporário fez com que o valor do aluguel tradicional aumentasse – no centro de Barcelona, em 2015, o aluguel era 9% maior do que no resto da cidade (em 2007 era 3% mais baixo).

Já a expulsão por pressão vem principalmente da coexistência com turistas: muitos moradores reclamam do aumento do barulho e de festas nos apartamentos, mudando o cotidiano no edifício e do bairro. Um dos entrevistados por Agustín contou que 14 das 20 unidades de seu prédio eram para aluguel temporário. E os investidores não descansam: estão sempre propondo comprar os apartamentos: “Toda semana encontro em minha caixa de correios uma oferta para comprar minha unidade dizendo ser ‘uma grande oportunidade’”, diz um dos entrevistados de Agustín.

O que começou como uma nova economia que gera oportunidades para mais pessoas, sem um controle – que venha do governo ou por pressão dos moradores – corre o risco de servir a poucos e causar danos para a população e para o tecido urbano: a cidade perde residentes em áreas com forte infraestrutura, e as pessoas moram mais longe. Há mais trânsito, menos qualidade de vida e menos diversidade nos bairros.

 

Bianca Antunes é jornalista especializada em arquitetura e planejamento urbano, ex-editora da revista AU (Arquitetura e Urbanismo), coautora do Casacadabra, livro de arquitetura para crianças, e mestranda do Mundus Urbano, máster em desenvolvimento urbano e cooperação internacional pela TU Darmstadt (Darmstadt, Alemanha) e Universitat Internacional de Catalunya (Barcelona, Espanha)

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