Por Tadeu Breda, editor

Depois de uma longa espera (abrimos a pré-venda em 23 de março), finalmente mandamos pra gráfica o livro Bolsonaro genocida. Trata-se de um projeto que a Elefante vem ruminando desde 2020. As costuras começaram ainda em novembro, quando os sinais da ação criminosa do governo federal contra o meio ambiente e os povos indígenas, e a favor da disseminação da covid-19, já eram claríssimas. Com o livro estava pronto, veio a CPI da Pandemia, que teve dois efeitos por aqui: atrasou a publicação, mas possibilitou que ela fosse atualizada. Vai valer a pena tanta espera.

Bolsonaro genocida compila duas excelentes pesquisas que demonstram a ação do governo Jair Bolsonaro no sentido de potencializar [i] o desrespeito aos direitos indígenas e à preservação do meio ambiente (o que coloca em risco a sobrevivência cultural e material dos povos tradicionais brasileiros) e [ii] a proliferação do coronavírus no país (o que contribuiu para o aumento de casos de covid-19, com o consequente colapso do sistema de saúde e crescimento no número de mortes). São dois livros em um, portanto, com duas capas em verde e amarelo: as cores do fascismo nacional.

O estudo que deu origem à denúncia sobre a pandemia apareceu originalmente no boletim Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil, publicado em 20 de janeiro de 2021 pela Conectas Direitos Humanos e pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Ao longo do primeiro semestre, os pesquisadores deram continuidade ao levantamento e, em junho de 2021, havendo compilado dados até maio, enviaram seus resultados à Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, no Senado Federal. No livro, reproduzimos a versão atualizada, bem como um texto introdutório escrito especialmente para este volume.

A partir da leitura da linha do tempo que compila os atos normativos e a propaganda do governo federal com vistas a disseminar a covid-19 no país, além das tentativas do Planalto de obstruir medidas de contenção da pandemia, fica fácil concluir que Jair Bolsonaro é um genocida, responsável por diversos crimes contra a humanidade desde que o coronavírus chegou ao Brasil — e que, como tal, deve ser julgado pelos organismos competentes, nacional e internacionalmente. Mais difícil, pelo menos para nós aqui na Elefante, é compreender por que o presidente da República, tendo nas mãos o Sistema Único de Saúde e uma série de instrumentos capazes de salvar vidas em meio a um surto virótico arrasador, escolheu agir sistematicamente para lançar o próprio povo à insegurança, à contaminação, ao sofrimento físico e psicológico, ao luto e à morte.

O livro também reproduz a comunicação apresentada em novembro de 2019 pelo Coletivo Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e pela Comissão Arns à Procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitando “Exame Preliminar sobre ataques sistemáticos e generalizados e incitação a genocídio contra os povos indígenas cometidos pelo presidente da República Jair Messias Bolsonaro no Brasil”. É uma comunicação exaustiva, com farta documentação e embasamento na jurisprudência internacional, que demonstra que Jair Bolsonaro, na condição de chefe de Estado e de governo, encorajou a prática de crimes contra a humanidade e genocídio contra os povos indígenas cujos territórios se encontram dentro dos limites geográficos do Brasil, além de incentivar em seus discursos e facilitar, com medidas administrativas, a devastação ambiental, sobretudo da Amazônia.

Entre janeiro e setembro de 2020, quando esta comunicação já tramitava pela Procuradoria do TIP, assistimos ainda à destruição de ao menos 32.910 quilômetros quadrados do Pantanal. Em maio de 2020, assistimos ao então titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propor, em reunião com o presidente da República e demais ministros, um relaxamento geral das regulações ambientais. Segundo ele, o governo deveria aproveitar o “momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

Ao resgatar julgamentos do Tribunal Penal Internacional para Ruanda e para a ex-Iugoslávia, em que os magistrados de Haia se debruçaram e emitiram vereditos sobre denúncias concretas de genocídio e crimes contra a humanidade, esta comunicação oferece argumentos que permitem concluir que Jair Bolsonaro não é apenas um genocida mas também um etnocida e um ecocida. Suas declarações, atos e omissões devem ser interrompidos com urgência e punidos nos termos da justiça nacional e internacional.

A esta altura, com mais de meio milhão de vítimas fatais da doença e picos de 4 mil falecimentos diários, já são inúmeros os brasileiros que contraíram e sobreviveram ao Sars-CoV-2 (muitos com sequelas para toda a vida), ou perderam parentes, amigos ou colegas para o coronavírus. Com a escalada das mortes, em breve não haverá cidadão neste país que não tenha visto pessoas conhecidas serem levadas pela covid-19.

Enquanto nos isolamos em casa, com medo, ou nos lançamos às ruas para garantir a sobrevivência, arriscando a própria saúde e a de nossos entes mais queridos, os maiores responsáveis pelo morticínio estão confortavelmente instalados em Brasília, protegidos e respaldados pelas Forças Armadas, e escudados em instituições que há tempos deixaram de funcionar. Precisam ser todos responsabilizados.

Por isso é que resolvemos lançar este livro, neste momento, com este título. Sem jogos de linguagem, sem artifícios gráficos para driblar as excrescências da Lei de Segurança Nacional ou o aparelhamento dos órgãos de repressão do Estado pelo bolsonarismo, Bolsonaro genocida quer comunicar com clareza o que deveria ser considerado uma obviedade.

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