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Novo surto de ebola na Guiné mostra impactos do neoliberalismo na região

Em "Pandemia e agronegócio", Rob Wallace relaciona a territorialização do neoliberalismo na Guiné, na Libéria e na Costa do Marfim com epidemia de ebola nos anos 2000 – e, possivelmente, novo surto da doença.

Por Allan Rodrigo de Campos Silva

 

Em 14 de fevereiro de 2021, a Guiné declarou um novo surto de ebola após sete pessoas manifestarem os fortes sintomas da doença – diarreia, vômitos e hemorragia – na cidade de Gouécké. No dia primeiro de fevereiro uma enfermeira local morreu em razão da doença após ser transferida para o hospital de Nzérékoré, próximo à fronteira com a Libéria. A África Ocidental ainda leva fresco na memória a última epidemia de ebola que acometeu a região entre 2013 e 2016 e que levou onze mil pessoas à morte naquela que se mostrou a pior epidemia desde que o vírus foi identificado na década de 1970 no território da atual República Democrática do Congo. Diante de uma nova ameaça, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou o risco de a epidemia atingir 6 países da região e elevar repentinamente o número de contaminados e mortos pela doença.

Séculos de despojamento colonial e décadas de espoliações neocoloniais fazem da África Ocidental uma região fragilizada em diversos níveis. Em seu livro Pandemia e agronegócio, Rob Wallace avaliou a força da última epidemia de ebola a partir do prisma da territorialização do neoliberalismo na Guiné, na Libéria e na Costa do Marfim. A partir dos anos 2000, os fluxos financeiros do mundo inteiro que passaram a convergir em direção ao Sul atingem em cheio a dinâmica territorial da África Ocidental. Seus sistemas produtivos locais são radicalmente alterados, produções agropecuárias extensivas e agroflorestais, voltadas à subsistência, dão lugar a empreendimentos de monocultivo para exportação e gigantescos projetos de mineração de ferro, ouro e diamante. O regime de propriedade da terra é radicalmente alterado, deixando atrás de si um rastro de relações de trabalho carregadas de fragilidades sociais, ecológicas e sanitárias. Ao mesmo tempo – e de acordo com a cartilha neoliberal –, as infraestruturas públicas de saúde são desestruturadas, deixando governos locais às minguas diante do enfrentamento de novos surtos. Na raiz desta nova economia surgem as paisagens protopandêmicas.

Essa análise está presente em pormenores no artigo “Neoliberalizar as florestas do Oeste Africano ajudou a criar um novo nicho para o ebola?”, presente em Pandemia e agronegócio. Contudo, a relevância das pesquisas de Rob Wallace não se encerra no diagnóstico das causas das epidemias de ebola. O autor nos alerta para o problema de estarmos confinados em um círculo vicioso, aprisionado entre a produção cada vez mais recorrente de novas epidemias e pandemias e soluções pontuais e emergenciais, como as campanhas de vacinação em massa, que já se inicia na Guiné nesta semana. Todavia, com o foco na árvore, não enxergamos a floresta inteira. É necessário, por isso, darmos um passo atrás e passarmos a enfrentar com força o sistema capitalista como um todo, implacável em sua sede de negócios abstratos e completamente cego às suas consequências sociais, ecológicas e sanitárias. Em tempo: a Amazônia, o maior repositório de vírus do planeta, encontra-se sob o mesmo ataque, da mineração e do monocultivo do agronegócio.

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