Por Breno Castro Alves
@trocavales
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Os três personagens desta história primeiro se chocam na velha Montevidéu. Corria outubro de 1864 quando o Império do Brasil invadiu sem declaração de guerra a República Oriental do Uruguai. Pedro II ordenou que se instaurasse no poder o partido Colorado, seu aliado. Então nosso exército removeu do governo constitucional o partido Blanco, aliado do paraguaio Solano Lopes, que reagiu. Estava iniciada a Guerra do Paraguai, ou Guerra Guasú, a grande, como a chamam os derrotados.

Os desdobramentos do conflito determinam até hoje a geopolítica da região, onde os dois países menores se tornaram satélites de Brasil e Argentina. O partido Colorado uruguaio, preferido de nosso último imperador, restou no poder por 93 anos após a derrubada dos blancos. Já o Paraguai, soberano e articulado no começo da guerra, foi reduzido à autocracia violenta de seu partido Colorado, que o governa quase ininterruptamente há cem anos – inclusive antes, durante e depois da ditadura de Alfredo Stroessner, a mais longeva da região. A única alternância foi o breve mandato de Fernando Lugo (2008-2012), do partido Frente Guasú, interrompido por um golpe parlamentar comparável ao que ocorreu no Brasil poucos anos depois.

A análise comparada que realiza este Fronteiras da dependência: Uruguai e Paraguai, revela como os dois países apresentam faces opostas das possibilidades civilizatórias do capitalismo latino-americano. A obra, que está em pré-venda com desconto e frete grátis no site da Elefante, demonstra como o Uruguai é a sociedade que neste continente mais se aproximou de uma modalidade periférica do Estado de bem-estar social, enquanto o Paraguai manteve suas estruturas econômica e política subordinadas aos interesses externos, notadamente brasileiros.

O livro é nossa quarta parceria com o Realidade Latino Americana, programa de extensão que reúne pesquisadores de diversas áreas – História, Relações Internacionais, Economia – e seis universidades – Unifesp, USP, Unicamp, Unila, Unirio e UFRR.

O método de pesquisa do grupo acontece em três ciclos. Primeiro, a formação coletiva com aulas e palestras realizadas em São Paulo – agora, devido à pandemia, por meio de plataformas on-line, o que amplia o alcance do projeto; segundo, a viagem de campo para os países estudados, com uma agenda previamente construída de entrevistas e visitas – o que está temporariamente inviabilizado pelo surto de conoravírus; terceiro, a divulgação dos aprendizados em forma de artigos, seminários, exposições e livros, como este, que tem a rara possibilidade de colocar as assinaturas de graduandos ao lado das de pós-doutores com dúzias de linhas e títulos em suas minibiografias.

A obra é um painel diverso, uma coletânea de análises que majoritariamente se articulam como respostas a perguntas, sintetizadas, por exemplo, pelos seguintes nomes de artigos: Por que o progressismo uruguaio se esgotou? Qual é a presença do capital brasileiro no Uruguai? Existe subimperialismo brasileiro no Paraguai? O que a Ciudad del Este significa para o Paraguai? Qual a história dos Guarani no Paraguai e por que o guarani é uma língua oficial?

Por aqui, investimos estas linhas na desambiguação dos diferentes partidos Colorado que dominaram os dois países. As semelhanças são poucas, ambos significam “vermelho”, na tradução do espanhol, e ambos foram hegemônicos durante o século XX. As semelhanças terminam aí, primeiro porque o Colorado ainda é hegemônico e truculento no Paraguai, enquanto no Uruguai seu ciclo de 93 anos ininterruptos começa com nosso Pedro II em 1865 para ser interrompido em 1959, pelo partido Nacional, os Blancos.

Mais profundo é o contraste entre os resultados das políticas aplicadas pelos diferentes partidos.

O coloradismo uruguaio assentou as bases do que foi descrito pelo sociólogo Jorge Lanzaro como uma experiência da social-democracia criolla, sendo esse o termo castelhano para os descendentes de espanhóis que se tornaram a classe dominante em diversos países do subcontinente, inclusive no Uruguai.

Fato é que, embora problemática, a referência à social-democracia europeia aponta a centralidade do Estado uruguaio, que conseguiu efetivamente construir estruturas sociais articuladas em diversas camadas da sociedade. É o solo de uma sociedade civil mais ativa, que, por exemplo, ajudou a frear as privatizações nos anos 1990, mobilização popular que realizou consultas públicas e o resultado foi acatado.

Essa manifestação cidadã que coloca limites à investida estatal por meio do debate e do voto é um cenário difícil de imaginar no Paraguai, onde diversas regiões há anos estão submetidas a diferentes estados de exceção que criminaliza as lutas sociais. “A secularidade da autocracia burguesa paraguaia parece não precisar de véus”, avalia o livro. O partido Colorado paraguaio nunca disfarçou sua abordagem repressiva, efetivamente sufocando pela força qualquer oposição.

Parte considerável de seu Estado é mediar interesses mercantis estrangeiros, notadamente brasileiros, e a oligarquia local. O partido Colorado é uma autocracia que atua como braço armado do latifúndio transnacional. Hoje, o Paraguai é caracterizado pela despossessão, pelo partido de Estado, por ocupações e repressão

Trágico Paraguai, inicia a história como o país mais autônomo e a encerra como o mais explorado. E aqui está o Brasil, sempre e novamente cumprindo seu papel, que os autores definem como subimperial. Trazem a definição do cientista social Ruy Mauro Marini, que coloca o subimperialismo como parte da “composição orgânica média do capital”, ou seja, o estágio intermediário onde pobres exploram paupérrimos.

A disposição exploradora brasileira é realidade amplamente ignorada por conterrâneos de todos os espectros políticos – sombras em nossa identidade nacional que os mais de quarenta artigos deste livro multiplamente iluminam.

Fronteiras da dependência: Uruguai e Paraguai constata crescentes níveis de espoliação econômica e violência social nos três países, enquanto a política se fecha em autoritarismo. Uma das conclusões é que o futuro talvez se assemelhe mais à pré-política paraguaia do que à cidadania salarial uruguaia.

Porém, como em tempos sombrios o otimismo é obrigação, fechamos com estas belas aspas direto da conclusão do livro, para quem “é mais fácil ver pelos olhos de Uruguai e Paraguai que a integração é uma necessidade histórica para a emancipação dos povos — de todos os povos — da região. Esse é outro aprendizado que os brasileiros podem ter conhecido por meio desses países. Afinal, como já dizia no século XIX o cubano José Martí, os povos de nossa América têm que se conhecer como aqueles que um dia lutarão juntos”.

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