Por Ashish Kothari, Ariel Salleh, Arturo Escobar, Federico Demaria e Alberto Acosta
Prefácio de Pluriverso: dicionário do pós-desenvolvimento

 

 

Pluriverso: um dicionário do pós-desenvolvimento convida os leitores a mergulhar em uma profunda experiência de descolonização intelectual, emocional, ética e espiritual. Nossa convicção comum é de que a ideia de “desenvolvimento como progresso” precisa ser desconstruída para abrir caminho às alternativas culturais que nutrem e respeitam a vida na Terra. Esse modelo de desenvolvimento ocidental que domina o planeta é um construto homogeneizante, comumente adotado pelos povos ao redor do mundo sob intensa coerção material. O contratermo “pós-desenvolvimento” comporta uma miríade de críticas sistêmicas e maneiras de viver para além desse paradigma. Assim, este dicionário se destina a repolitizar o debate atual a respeito da transformação socioecológica, enfatizando sua multidimensionalidade. Pode ser útil para o ensino e a pesquisa, para inspirar ativistas de movimentos sociais e para introduzir os curiosos — até mesmo aqueles que estão no poder, mas já não se sentem tão confortáveis com seu mundo.

O livro não é, de modo algum, o primeiro a abordar o tema do pós-desenvolvimento. […] O que faltava, até agora, era uma compilação transcultural de conceitos concretos, visões de mundo e práticas que surgem ao redor do planeta, capaz de desafiar a ontologia moderna do universalismo em prol da multiplicidade de universos possíveis. Esse é o significado de reivindicar um pluriverso. A ideia de criar uma coletânea como esta começou a ser discutida por três de nós — Alberto Acosta, Federico Demaria e Ashish Kothari — em Leipzig, Alemanha, por ocasião da IV Conferência Internacional sobre Decrescimento, em 2014. Um ano depois, Ariel Salleh e Arturo Escobar se juntaram ao projeto e começamos a planejá-lo seriamente, até chegarmos à atual centena de verbetes.

Temos consciência das lacunas temáticas e geográficas, mas oferecemos este livro como um convite para explorar o que vemos como “modos relacionais de existir”. Isso significa reconstruir a política como meio de senti-la profundamente. Foi dessa maneira que, durante a edição — como em qualquer ato que exige cuidado —, deparamos com os limites da nossa própria reflexividade cultural, incluindo as vulnerabilidades, e, portanto, descobrimos novas formas de compreensão e aceitação. “O pessoal é político”, como dizem as feministas. […] O livro dialoga com uma confluência global de visões econômicas, sociopolíticas, culturais e ecológicas. Cada ensaio é escrito por alguém seriamente engajado na visão de mundo ou prática abordada — de resistentes indígenas a rebeldes de classe média. […]

As visões e práticas contidas neste dicionário não propõem a aplicação de um conjunto específico de políticas, instrumentos e parâmetros para escapar do “mau desenvolvimento”. Em vez disso, sugerem o reconhecimento de pessoas que têm outras perspectivas sobre o bem-estar planetário e de suas habilidades para protegê-lo. Elas procuram fundamentar as atividades humanas de acordo com os ritmos e os limites da natureza, respeitando a materialidade interligada de todas aquelas vidas. Esse conhecimento indispensável precisa ser mantido em segurança entre os bens comuns, e não privatizado ou mercantilizado.

O ponto de vista e as práticas oferecidas aqui colocam o Bem Viver acima da acumulação material. Como regra, reverenciam a cooperação em vez da competição e enxergam o trabalho como um meio de vida prazeroso, e não como um “meio de morte” do qual precisamos fugir nos fins de semana e nas viagens de ecoturismo. Da mesma forma, em nome do “desenvolvimento”, a criatividade humana é frequentemente destruída por sistemas educacionais tediosos e homogeneizantes.

Os verbetes deste livro são avaliados de acordo com critérios como: os meios de produção econômica e reprodução social são controlados de forma justa? Os humanos estão construindo relações de apoio mútuo com os não humanos? Todas as pessoas têm acesso a modos de vida significativos? Há justiça na distribuição intergeracional de benefícios e malefícios? As discriminações de gênero, classe, etnia, raça, casta e sexualidade, tradicionais ou modernas, estão sendo eliminadas? A paz e a não violência estão difundidas por toda a vida comunitária? Essas perguntas guiam a proposta deste dicionário: ajudar na busca coletiva por um mundo ecologicamente sábio e socialmente justo.

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