Próxima autora a ser publicada pela Editora Elefante, Keeanga-Yamahtta Taylor é representante da nova geração de uma tradição do pensamento político negro estadunidense identificada com Angela Davis e W.E.B. Dubois, entre outros intelectuais cuja produção teórica foi ou vem sendo pautada pela prática — ou experiência. Pensadores que vivenciaram a opressão antes de teorizá-la, e cuja atuação na linha de frente da resistência fez aflorar seus objetos de estudo.

Não por acaso, Taylor com frequência se define como organizer [militante], como alguém que promove e atua diretamente no combate às estruturas de dominação sexista, racista e de classe. Após a eleição de Donald Trump, nossa autora participou da Marcha das Mulheres em Washington, e logo depois ajudou a organizar a greve Um dia sem mulher. “A melhor maneira de superar um trauma político coletivo é conectar-se com outras pessoas que estão sofrendo o mesmo que você”, declarou em uma entrevista.

Ainda adolescente, no ensino médio, escrevia no jornal estudantil e criticava a obrigatoriedade do juramento à bandeira dos Estados Unidos nas escolas. Era obrigada a ir todas as manhãs para a diretoria, de modo que não perturbasse a rotina escolar. Aos dezesseis anos, foi a sua primeira manifestação, em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres. À época, morava em Buffalo, Nova York.

Envolvida com o ativismo e com as demandas do próprio sustento, sua trajetória acadêmica não foi em nada convencional: entre idas e vindas universitárias, levou dezessete anos para concluir seu bacharelado em artes, em 2007. Para alcançar o diploma, já em Chicago, na Universidade de Northwestern Illinois, durante dezesseis meses assistiu às aulas diariamente antes de ir ao trabalho, no horário de seu almoço, e no final do dia, após o expediente.

Na época, Taylor trabalhava em um escritório de advocacia que atuava em ações de despejo de inquilinos inadimplentes, experiência que marcaria fortemente seu futuro como pesquisadora. Enquanto trabalhava, estudava e organizava a comunidade, foi percebendo os efeitos de políticas públicas ineficientes e da ação especulativa do mercado imobiliário sobre as condições de moradia na cidade.

Em 2013, obteve seu doutorado em estudos afro-estadunidenses com a tese Race for Profit: Black Housing and the Urban Crisis in 1970s [Corrida pelo lucro: moradia negra e crise urbana na década de 1970]. E, já no ano seguinte, foi admitida como professora de estudos afro-estadunidenses na Universidade Princeton. A partir daí, sua produção intelectual decolou.

Em 2016, publicou o premiado From #BlackLivesMatter to Black Liberation, que agora chega ao Brasil com o título #VidasNegrasImportam e libertação negra pela Elefante, com tradução de Thalita Bento e prefácio de Natália Neris.

Uma das análises centrais do livro estabelece como principal conquista do movimento negro contemporâneo sua capacidade de crítica ao racismo estrutural que fundamenta a sociedade estadunidense — e a brasileira também, e tantas outras. Esses novos ativistas negros — entre elas, a própria Keeanga-Yamahtta Taylor — cresceram em um país onde declarações evidentemente racistas deixavam de ser enunciadas, sem que, no entanto, se modificassem os alicerces racistas de suas instituições.

Taylor recorda-se que, certa vez, no ensino médio, que uma professora branca, ao ser questionada por seu pai, recusou-se a responder e ligou para o escritório policial da escola. Em outra ocasião, quando um colega de classe reclamou de estar cansado de estudar sobre pessoas brancas, que queria ouvir falar de pessoas negras, a professora de história também achou por bem chamar a polícia — mas é claro que o fato não teve a ver com o garoto ser negro, e sim com ele ter perturbado a aula.

Essa geração, que cresceu a partir dos anos 1970, vivenciou na própria pele a falácia da promessa do daltonismo racial — ou seja, a ideia de uma sociedade pós-racial, em que a “cor da pele” não seria mais relevante. O movimento Black Lives Matter, que surgiu em 2014 após o assassinato de Michael Brown pela polícia de Ferguson e renasceu com força em 2020 depois de George Floyd ter sido sufocado por um oficial de Minneapolis, é sintomático desse novo momento.

Ampliando a abrangência de sua linha teórica, Keeanga-Yamahtta Tatlor publicou em 2017 How We Get Free: Black Feminism and the Combahee River Collective. No ensaio de abertura de #VidasNegrasImportam e libertação negra, a autora lança luz sobre o pioneirismo do Coletivo Combahee River na análise da experiência da mulher negra como síntese das opressões racial, sexual, heterossexual e de classe, em um tempo em que o termo interseccionalidade ainda não existia.

Recentemente, em sua coluna na revista The New Yorker, destacou o papel da reflexão sobre o Combahee River no entendimento de sua própria experiência familiar. Sua mãe a criara no Texas, sem muita ajuda do pai e com muito pouco dinheiro, vindo a falecer aos 52 anos após negligenciar, pelo excesso de demandas cotidianas, um tratamento de lúpus que teria prolongado sua vida. “O racismo sozinho não poderia explicar o que matou minha mãe. Apenas ‘gênero’ também seria uma resposta incompleta.”

Seu último livro, um aprimoramento de sua tese de doutorado, foi lançado em 2019 nos Estados Unidos. Race for Profit: How Banks and the Real Estate Industry Undermined Black Homeownership, ainda sem tradução ao português, é uma crítica mordaz à segregação habitacional estadunidense.

Keeanga-Yamattha Taylor tem incomodado, e muito, quem só tem a ganhar com a manutenção das diversas formas de opressão às quais a maior parte dos estadunidenses são submetidos. Tanto que em 2017 recebeu ameaças de linchamento e assassinato, além de uma porção de xingamentos racistas, machistas e homofóbicos.

Seu discurso proferido em uma cerimônia de graduação em que chamou Trump de “megalomaníaco, racista e sexista” teria sido a motivação da intimidação. Mas nossa autora, que conhece bem as estruturas de dominação da sociedade em que vive, forneceu uma explicação mais contundente do fato: uma vez que sua pessoa não é de interesse da mídia e que sua fala não foi novidade na conjuntura política em questão, a Fox News, ao publicar trechos descontextualizados de seu discurso, teve por objetivo nada menos que incitar o ódio de seus telespectadores. Parece que Taylor não incomoda apenas as audiências tacanhas dos meios de comunicação de massa.

As ameaças culminaram com o cancelamento de duas palestras que proferiria em Seattle e San Diego. “Uma concessão à tática de intimidação violenta”, lamenta Taylor. Entretanto, como não poderia deixar de ser, ela se levanta:

“Estou divulgando essa declaração pra dizer que não vou ficar em silêncio. O lado deles usa a ameaça de violência e intimidação porque não pode competir no campo da política, das ideias e da organização. A verdadeira força do nosso lado ainda não foi expressa no seu tamanho e abrangência, e por isso acreditam que estão vencendo. Temos que mudar essa dinâmica e começar a construir um movimento massivo contra o racismo, o sexismo e a intolerância. Eu continuo destemida no meu compromisso com este projeto.”

Apesar de tratarem dos Estados Unidos, não é preciso muito esforço para perceber que as ideias, os argumentos e as conclusões de Keeanga-Yamahtta Taylor falam diretamente ao Brasil.

 

Fontes:

https://www.facebook.com/haymarketbooks/posts/1494045207312386

https://billmoyers.com/story/keeanga-yamahtta-taylor-against-racist-right-wing/

https://www.newyorker.com/news/our-columnists/until-black-women-are-free-none-of-us-will-be-free

https://www.nbcnews.com/think/opinion/undermining-black-homeownership-keeanga-yamahtta-taylor-podcast-transcript-ncna1063426

https://www.princeton.edu/news/2017/02/06/race-profits-taylors-research-70s-urban-housing-crisis-exposes-familiar-history

https://scottneigh.ca/goodreads-review-how-we-get-free-by-keeanga-yamahtta-taylor/

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