Vamos pra Cuba, tio fascista?

Publicado em 2017, "Cuba no século XXI" esgotou em 2020 depois de inúmeras reimpressões e agora está disponível gratuitamente em nosso site, em PDF.

Por Breno Castro Alves
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Então você sobreviveu à pandemia e amanheceu dezembro, o domingo dos meses. As festas de fim de ano (via Zoom) se aproximam e um ingrediente que não falta na mesa do brasileiro é o tio fascista. Estamos aqui pra te preparar. Leve um presente nosso, pegue aqui, faça download do rigoroso Cuba no século XXI: dilemas da revolução, resultado das investigações de trinta e três pesquisadores brasileiros.

Publicado em 2017, o livro esgotou em 2020 depois de inúmeras reimpressões e agora está disponível gratuitamente em nosso site, em PDF. Então pode distribuir o link pelas suas árvores de natal no WhatsApp, fica sendo nossa contribuição pro almoço da família Brasil. Porque o livro é didático, os capítulos se desenvolvem para responder perguntas universais que adoram ser respondidas com clichês preguiçosos e conservadores, como:

  • É uma democracia?
  • Há censura? Há acesso a novas tecnologias?
  • Há machismo, homofobia, racismo?
  • Os cubanos querem deixar a ilha?
  • Quais as regras para o capital estrangeiro?
  • Cubanos são pobres?
  • Era necessário aliar-se à União Soviética?
  • Está em curso uma restauração capitalista em Cuba? (Esta, a pergunta central que orientou a obra.)

A conclusão se propõe a:

  • O que podemos aprender com a Revolução Cubana?

Eis a beleza da ciência. Seja você partidário do que for, é fato inegável que dezenas de cientistas da Unifesp, USP, Unicamp, Unirio, UFRR e Unila, de Relações Internacionais, História e Economia, estudaram e debateram Cuba durante todo o ano de 2016, pesquisaram em conjunto e prepararam a viagem de dezembro, quando passaram uma quinzena na ilha, investigando seus temas. Chegaram dias após a morte de Fidel. Comoção nacional. De volta ao Brasil, realizaram rodadas de debate, redação e revisão dos textos.

Este livro é, portanto, trabalho coletivo de muitos pesquisadores.

O processo foi realizado pelo Realidade Latino-Americana, programa de extensão da já mencionada Unifesp, organizado pelo historiador Fabio Luis Barbosa dos Santos e Fabiana Dessotti, professora de Relações Internacionais. A historiadora Joana Salém Vasconcelos se juntou ao projeto como especialista na ilha. Juntos, os três organizaram este Cuba no século XXI.

A obra é tão pesada que Frei Betto crava o seguinte na introdução: “Este é o melhor texto sobre Cuba ao alcance do leitor brasileiro na virada dos anos 2017-2018. Leitura obrigatória para quem, frente a Cuba, reage com equilíbrio, sem o reacionarismo anticomunista dos que veneram o capitalismo nem o esquerdismo infantil e dogmático de quem considera a Revolução Cubana o paraíso na Terra”.

Convidamos Joana Salém para papear a respeito. Ela nos deixou este episódio do podcast Caminhos Latinos, realizado pelo mesmo Realidade Latino-Americana, em parceria conosco e com o podcast Pulso Latino. O programa é bom, uma horinha com a história da ilha pelo professor Fabio, seguida pela entrevista com Julio César Guanche, que fala sobre internacionalismo médico, liberdade de comunicação, propriedade privada e casamento igualitário.

Inspirados por esse programa, redigimos a seguinte seção:

Dezenove, vinte

Pois, para falar do século XXI, voltaremos ao XIX.

A ilha era muito valiosa para a Espanha, que segurou o quanto pôde sua colônia produtora de açúcar. Cuba tem a vergonha de ser o penúltimo país latino-americano a proibir a escravidão, atrás apenas do Brasil — que infelizmente não se envergonha disso. Tem também a tragédia de três guerras de independência: Guerra dos Dez Anos (1868-1878), Guerra Chiquita (1879-1880) e a Guerra de Independência Cubana (1895-1898), que termina com intervenção ianque: os fuzileiros navais desembarcam na ilha.

Você sabia, caro leitor, que os Estados Unidos expulsaram a Espanha apenas para se tornar senhores coloniais do povo cubano? Que a bandeira cubana foi desenhada nos Estados Unidos? Que o Irmão do Norte, muy amigo, deixou essa desavergonhada pérola na Constituição de 1901, logo antes de retirar o exército da ilha:

“O Governo de Cuba consente que os Estados Unidos possam exercer o direito de intervir para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, da propriedade e da liberdade individual, e para o cumprimento das obrigações com respeito a Cuba impostas pelo Tratado de Paris aos Estados Unidos, já a ser assumido e empreendido pelo Governo de Cuba.”

Que singelo. Óbvia e inevitavelmente ocorreu uma intervenção militar direta pouco depois, já em 1906 soldados do Tio Sam voltaram e lá seguem até hoje, na infame e ilegal base de Guantánamo, palco de prisões internacionais clandestinas e notório centro de tortura.

O exército ostensivo (e caro) voltou para casa 1908, deixando no lugar sua ameaça permanente. Isso é Theodore Roosevelt como presidente do império, botando na mesa seu Big Stick, o grande porrete, a política na ponta do fuzil. Oh, sweet land of liberty. Nos parece relevante compreender que os Estados Unidos foram senhores diretos da ilha caribenha na base da bala e que, se pudessem, ainda seriam.

Vinte e um

Joana: “Nosso papel neste livro foi apresentar uma perspectiva crítica sobre a realidade cubana, reconhecendo as conquistas da revolução, que são evidentes a quem circula pela ilha, e mantendo distância do dogma, mantendo a capacidade de identificar e debater problemas. Cuba se tornou avatar de uma disputa ideológica”.

O mestrado de Joana, História agrária da revolução cubana: dilemas do socialismo na periferia, foi publicado pela Alameda e segue no mesmo espírito: compreender contradições do processo revolucionário, identificar conquistas, limites e problemas, uma postura aberta para refletir sobre contradições.

“É muito comum que pessoas de esquerda sejam adeptas da Revolução Cubana de maneira dogmática, sem abertura. Quando se colocam diante da crítica, automaticamente classificam o interlocutor como conservador ou reacionário”, considera, ecoando Frei Betto.

Compartilhamos algumas conclusões-síntese do último capítulo de Cuba no século XXI:

1. Cuba conjuga recursos escassos com radicalidade política, conseguiu criar o sistema de bem-estar social mais sólido do continente. Tal conquista não seria possível com mudanças parciais.

2. As mudanças parciais mantêm as oligarquias, que sempre se reorganizam para empreender luta de morte por seus privilégios. Mesmo na Cuba atual isso acontece, com os conspiradores fora do país.

3. No capitalismo latino-americano, o golpismo e a ditadura fazem parte do arsenal político cotidiano de uma classe dominante que se identifica mais com os valores e práticas de uma elite estrangeira do que com seu povo.

4. A necessidade de enfrentamento constante com os Estados Unidos foi usada para justificar expurgos indevidos, prisões arbitrárias e um receio difuso sobre o que não se devia falar ou pensar.

5. O pensamento dogmático, fortalecido pelo excesso de centralização política, dividiu a sociedade cubana entre “fiéis” e “traidores”.

6. A homofobia foi institucionalizada. Até pouco tempo, ser gay em Cuba era sinônimo de ser contrarrevolucionário.

7. Há sinais de que hoje a Revolução Cubana tem repensado seus problemas em chave mais democrática. Lentamente, sem velocidade revolucionária.

8. A absoluta excepcionalidade dessa longeva experiência popular na América Latina nos mostra que o espaço para reformas redistributivas neste capitalismo periférico é bastante estreito.

9. Cuba é o único país efetivamente soberano na América Latina, e isso não é um exagero.

10. É também o país que conseguiu ter a maior igualdade social no continente mais desigual do mundo.

Que tal, será que teremos algum impacto no almoço de fim de ano da família Brasil? Porque é necessário fazer a ressalva: talvez o titio fascista já esteja perdido e não valha seu tempo. Felizmente, ele é minoria. Sempre houve, há e haverá a sobrinha consciente, o primo de cabeça aberta.

E, para eles, sim, podemos distribuir este Cuba no século XXI como presente.

São os votos de saúde e paz (e luta) desta Elefante.

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