Você, imperialista

Modo de vida imperial expõe mecanismos que normalizam, que escondem as relações de força e dominação em nosso dia a dia. Assim, dá forma a um conjunto de problemas que impede qualquer uma transformação socioecológica emancipatória.

Por Breno Castro Alves
@trocavales
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Imagine os corredores de seu mercado favorito. Lá vai você, caminhando entre todas as embalagens coloridas que o capitalismo consegue apresentar, o carrinho cheio de víveres de sabe-se lá onde, então encontra o iogurte/castanha/cerveja especial que você procurava e junto com ele encontra a sensação de missão cumprida: mais um dia de barriga cheia.

Consegue imaginar a cena, a liberdade do consumo? Então você é minoria entre os brasileiros. Diz a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional que mais da metade de nosso país passa fome e não pode escolher tudo que comerá.

Certo, é terrível mesmo, mas o que isso tem a ver com meu iogurte especial?, perguntará o leitor mais desatento. Pois os sociólogos Ulrich Brand e Markus Wissen vieram com este Modo de vida imperial: sobre a exploração de seres humanos e da natureza no capitalismo global provar que uma dinâmica produz a outra.

A obra demonstra como a vida cotidiana nos centros capitalistas só é possível a partir da externalização dos custos sociais e ambientais para a periferia do sistema. Os autores são europeus, professores e pesquisadores em Viena e Berlim; estão portanto em posição estratégica para descrever o acúmulo de privilégios no centro e os (distantes) impactos que o colapso da periferia provoca nas metrópoles

“Nosso intuito é expor os mecanismos que normalizam as relações de força e dominação inerentes a essas estruturas. (…) Este livro se propõe a apontar um conjunto de problemas que, até hoje, têm dificultado uma transformação socioecológica emancipatória.”

Malditos pagãos

Vivemos um momento em que saiu de moda o imperialismo armado, baseado em ostensiva ocupação militar, para a ascensão do imperialismo de mercado, que segue submetendo o Sul global. Sua formação remete à esperança universalista-imperialista que nasceu em Roma e nunca desapareceu da Europa.

Aspira a uma ordem mundial universal cristã, seja católica ou protestante não importa, ambas veem a diversidade das sociedades pagãs como incapaz de estabelecer uma ordem moral para este mundo, como argumenta a socióloga Camila Moreno no prefácio de Modo de vida imperial. A dominação imperial seria então natural, como Deus quis.

E ao fazê-lo concentram em seus territórios os recursos expropriados. As uvas chilenas oferecidas em cafeterias norueguesas durante o inverno; os tomates plantados pelos trabalhadores não legalizados na Andaluzia, na Espanha, para o mercado europeu, ou, ainda, os camarões servidos às mesas do Norte global produzidos à custa da destruição dos manguezais na Tailândia e no Equador.

Os autores se perguntam quão grave seria a crise de 2007 se os europeus não tivessem alimentos baratos em seus supermercados, comida cultivada por agricultores envenenados e sem aposentadoria, plantando em países onde não neva no inverno e que possuem moeda desvalorizada em relação ao euro.

Soa familiar? Eis o Brasil. Evidente a relação de exploração centro/periferia se repete em nosso país. O que é o modo de vida imperial senão a estabilização artificial de poucos centros escolhidos em detrimento e às expensas das periferias?

Não faz uma semana que o presidente Messias, por Medida Provisória, ou seja, sem apreciação do Legislativo, determinou a automação de todo licenciamento ambiental brasileiro, ou seja, os pedidos serão aprovados sem análise humana. Caberá ao empreendedor “observar os requisitos exigidos para o funcionamento e o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social” de sua empresa, de forma que atenda às “normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio”.

Desde a assinatura desta aberração jurídica, em 30 de março, nosso país topou automatizar a externalização de irreparáveis custos ambientais para nossas periferias. Contanto que se mantenha a estabilização dos centros onde ocorre a vida das elites, tudo é jogo.

Não são mais necessários os custosos legionários romanos ou os casacas vermelhas britânicos, pois o modo de vida imperial ganha espaço em todo o mundo — até, inclusive, em seu mercado favorito. Aquele mesmo do primeiro parágrafo onde você caminha entre os corredores, orgulhoso por encontrar seu iogurte especial, este ingrediente essencial para a estabilização das elites. Quem não se lembra do morador dos Jardins, em São Paulo, que declarou, às vésperas da eleição presidencial de 2014: “Quero o PT fora do poder, esse é o primeiro objetivo. Não quero ir ao supermercado e não ter opção de iogurte para comprar”.

Talvez convenha mencionar que, além de menos opções de iogurte, Cuba também ostenta a maior expectativa de vida do continente.

Diante dos corredores lotados de mercadorias disponíveis para quem pode pagar, diante da liquidação de nosso patrimônio ambiental, não há mais como escapar: a estabilidade é escassa numa sociedade capitalista e necessariamente produz barbárie alhures.

Modo de vida imperial expõe mecanismos que normalizam, que escondem as relações de força e dominação em nosso dia a dia. Assim, dá forma a um conjunto de problemas que impede qualquer uma transformação socioecológica emancipatória. Obra fundamental aos otimistas que pretendem fazer algo a respeito.

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